É muita dor demais além da conta. Tudo dói. Doem todos. E
tanto! Ali fora, cá dentro, em rede, macro e microcospicamente, de súbito, com link, ordinária. Uma desgraça crescente
lateja, estrala, sufoca, oprime, ulcera o espaço físico, psicológico, social. Pra
sempre? Padecimento pandêmico nas galáxias?
Há dores registradas em várias mídias; outras secretas,
anônimas. Umas expostas ao extremo, outras carecendo denúncia. Pequenas
aflições exaltadas, grandes torturas menosprezadas. O sentimento público. O espetáculo
privado da dor. Nas artérias e nas telas. Não faltam protagonistas,
espectadores, sentinelas. Sobram roteiristas e algozes. Espelhos, poltronas e
guilhotinas estão ocupados. Potência máxima. Soçobra a raça humana.
O calo, a cárie, a alergia, a seca, a enchente, o vício, o
abandono, o cansaço, a fome, o Zika, o carcinoma. Corrupção, preconceito,
incultura, injustiça, terror, censura, abuso, amasso (daquele ruim), desabraço.
O desvio da merenda, o rompimento da barragem, a microcefalia, o pânico, a
morte e a danada da saudade.
Na madrugada insone, a turba chora feito bebezinho com
gases. Essa cólica habita em tanta casa e atende por tanto nome! E não convém
julgá-la, enumerando critérios. Angústia não se mede. O castigo é o próprio
absinto.
Como assegurar, por exemplo, que uma criança que perdeu o cãozinho
sofre menos que aquela cortada no vidro? A criança violentada poderá sorrir
novamente? Parir gêmeos doentes dói mais que não poder ter criança? Enterrar o
filho pequeno é pior que ver a mãe vegetando na UTI? Perder a função
comissionada é mais sofrido que não ter emprego? Ser obesa pesa mais que passar
fome? Há causa aceitável para o suicídio?
Por que alguns motivos de aflição são levados mais em conta
que outros? Qualquer penar merece terapia? Qual dor é digna de prontuário? Qual
deve ser ignorada? Há sempre culpados? Por que tantas vítimas? Carrasco e
escravo não se confundem, às vezes? Convém sorver a tristeza dos outros? É
desrespeitoso aconselhá-los a parar de sofrer? E se eu decidir suspender meus doendos? Não seria de bom tom acordar o
perdão e revesti-lo de glória?
O cenário apresenta paliativos contra esse negro quadro,
mas ainda inocentes. Analgésicos estéreis, antibióticos salpicados, lágrimas
calmantes, unguentos caducos, terapias rasas, devoção aguada. Assim, a cura pode
até acenar, mas gora, excitando superbactérias da tristeza mórbida.
Quem está realmente preocupado com a agonia alheia? A compaixão
por si só resolve alguma coisa? Como ser solidário e, ao mesmo tempo, ficar
imune a tão pungente contágio? A propósito, alguém quer ser curado? Nacos
diários de alegria poderiam revolucionar a praga depressiva atual? Vale ignorar
os números e notícias das tragédias para se abster um pouco delas? Vale sofrer
tanto, já que morreremos todos? Convém esperar, imóvel, o fim desse tempo
malsão? Ainda rola a opção pelo otimismo?
Deram poder excessivo à dor. Apoiaram sua legitimidade. Abaixo
assinaram seu arbítrio e autoridade. Cassaram (cassamos) nosso direito à
alegria. O sofrimento se generalizou. Estamos todos ardidos, bolorentos, dolorosos.
Ou — quem sabe? — mais quebradiços que outrora. E quando doemos, acabamos
também por magoar outrem. Doemos até sem sentir, ruminando mágoas!
Texto que ganhou o 1º lugar no 3° Concurso Internacional de Literatura da ALACIB (Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil) na categoria Crônica Adulto.
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