Esses dias, disseram duas coisas interessantes a meu respeito. A
primeira sentença foi: “Você só defende a causa de outras minorias, que não a
sua, porque gosta de chamar atenção”. Quase uma semana depois, coroaram-me com
outra definição sobre a maneira com a qual me afirmo diante do mundo, tão
emblemática quanto a primeira: “Seu ativismo pela causa gay já está ficando
cansativo” (Leia-se “gay” como todas as outras orientações que fogem do modelo
heteronormativo, cissexual).
É bom deixar claro que essa necessidade
patológica de chamar atenção não é algo que surgiu com meu engajamento político
pela causa das minorias. Isso vem de muito tempo, lá da minha infância. Como eu
era um garoto extremamente afeminado, uma bichinha fechadora, parecia
importante para o bem-estar geral que eu me tornasse invisível. Leonino,
fabuloso e artista nato, acabei frustrando as expectativas daqueles que me
queriam, desde cedo, socialmente lobotomizado. Eu adorava aparecer! Brincava de
aulinha e casinha, fazia desfiles, criava números musicais e teatrinhos onde eu
brilhava vestido como doméstica ou como rainha. Claro que eu também brincava de
polícia e ladrão, jogava bila, soltava raia, fazia papéis masculinos nas peças
que apresentávamos em minha rua, mas todos só falavam de minhas indiscrições
femininas, de meu gosto por tudo aquilo que pertencia a um gênero que não me
era próprio. Sou muito orgulhoso da criança que fui. Pois, apesar de ter
escutado muita coisa ruim, recebido apelidos humilhantes e apanhado no colégio
e em casa, nem por um instante pensei em abrir mão da bichinha louca e
maravilhosa que eu era. Que ainda sou. Talvez com menos brilho e graça que em
minha infância, mas ainda há muito daquela criança atrevida e desinibida em
minha mise-en-scène.
Hoje, gosto de aparecer por outras razões.
Apareço porque minha ausência seria uma omissão, uma covardia.
Namoro há quase cinco anos com um cara que se
tornou o melhor amigo de meus pais. Sua família, hoje, também têm uma relação
maravilhosa comigo. Acredito que meus irmãos e amigos aprovem nossa deliciosa
pouca vergonha. Os vizinhos, até mesmo os religiosos e mais conservadores,
também não parecem muito incomodados por sermos um casal e vivermos na mesma
rua que seus filhos e netos. Enfim, pareço ter uma vida tranquila.
O problema é que nem de longe eu quero ter uma
vida tranquila. Não enquanto essa tranquilidade da qual gozo não for direito de
todos. Hoje, se chamo a atenção, se milito não só em causa própria, mas também
pelo empoderamento de todas as minorias marginalizadas neste país, é porque a
empatia e a estesia que movem minha alma de homem, amante, sonhador, artista,
gay, livre pensador e escritor, não permitem que eu me atreva a agir como se o
mundo em que vivemos fosse semelhante ao da canção de Benito Di Paula, onde
“tudo está em seu lugar, graças a Deus”. Nada está em seu lugar, senhor Di
Paula, quando o que nos faz ficar em nossos quadrados é a opressão e a negação:
duas forças complementares que qualquer vítima de intolerância conhece muito
bem. Não posso me dar ao luxo de silenciar por opção enquanto outros silenciam
por proibição, alienação ou inibição. Seria, no mínimo um gesto de deslealdade
com minha própria humanidade.
Lésbicas, negros, gays, pobres, bissexuais,
feministas, travestis, menores marginalizados, transexuais, ateus,
transgêneros, umbandistas — e todos os que não se ajustam à cultura de opressão
enraizada e institucionalizada em nossa sociedade — são vítimas de perseguição
histórica, não têm folga nem sequer por um instante, e nós é que somos cansativos?!
Somos espancados, assassinados, excluídos, escutamos insultos há séculos e tem
gente que já se cansou das vozes que se levantaram, aos milhões, apenas neste
século?! Ah, não! Não se canse agora! Ainda há muito a ser dito. Ainda há muito
a ser reparado. Ainda chamaremos muita atenção, até que possamos nos olhar uns
aos outros e, em nossa multiplicidade e diversidade, nos identificar como
iguais.
Daí, então, quem sabe, eu fique quietinho na
minha e você possa descansar do peso que deve ser jamais ter lutado por nada.
Emerson Braga
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