"Le Château Noir" (1904) Paul Cézanne |
Sem fronteiras, sigo gestos e devoro teu perfil, dividindo-o
ao meio numa divisão escancarada do meu ser que te beija e se volta para tecidos
e telhas e rezadeiras, água-benta que cai neste salão e põe todo mundo a dançar.
Sem fronteiras, vou pouco a pouco de um gesto a outro
e decifro tua cara, teu palmo e teu passo. Vou pra lua e volto pro espelho no
mato, acocorado e acovardado perante o escuro, o sossego e a mata fechada. O
mapa da viagem no atlas, o desenhar a régua, sem compasso.
Percorro as fotos com as mãos. Matéria viva, minha, elas
vão pro varal ou pro mural de cortiça do quarto. Comigo, no fusca vermelho, a
estrada de terra batida rumo ao Norte – ou a algum país da América Central.
Os países nunca vistos, vou sentindo-os terra a terra. As
gentes de cara na janela, o palhaço tirando a maquiagem, a menina. O sarau, a noite, o
piano tocando e as luzes na construção colonial. A casa tem um pátio foi pintada de salmão. Olhei tudo e vi. É aqui, é assim, ao lado do mar.
Sem fronteiras, sigo sem saber o que é o bem e o
mal. O que se faz e pra que ou como serve, pra onde vou se não consigo nem
levar o dia a dia. Não pago as contas nem o aluguel, cotidiano que desaba no colo, chumbo que exige resposta. E as
fronteiras, sonhos inventados pra assustar.
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