Hoje, a mãe morreu'.
Você acha mesmo que uma asserção assim tão simples pode sair da mente de um escritor? Asseguro-lhe que não. Escritor é, por regra, pessoa complicada, dilacerada intimamente, contorcida, cheia de contradições, consumida por ambições, muito pouco generosa, se bem que se inflame com a ideia de humanidade.
Não, lhe asseguro que Albert Camus nunca teria começado o romance O Estrangeiro com essa frase se não a tivéssemos fornecido nós. Aliás, nem sequer teria escrito esse romance num estilo tão simples, tão linear, tão confessional, visando a maior credibilidade, se não lhe tivéssemos oferecido, nós, o ponto de partida, se não tivéssemos aberto, nós, esta miraculosa portinhola.
'Hoje, a mãe morreu'.
Vários foram os clientes dessa organização: Thomas Mann, Kafka, H.G. Wells, Melville... O misterioso negociante, Guy Courtois, membro de uma organização de mais de trezentos anos, está estudando um jovem aspirante a escritor romeno. Precisa saber como irá ajudá-lo. Por outro lado, sua missão não é fácil - afinal, a língua romena jamais fora contemplada com um Nobel de literatura...
No entanto, essa mesma organização está ameaçada - hoje se escreve em excesso, surgiram máquinas que escrevem romances combinatórios - a era do romance industrial, diz Courtois.
Além do aspirante a escritor romeno M., temos Bernard, um sujeito que o observa, a serviço de Courtois; e temos ainda o Torturador - que nome perfeito para esse ser que nos assombra às noites e invade nossos sonhos! - e uma greve de escritores romenos, revoltados pelo fato de a Academia Sueca jamais ter escolhido um de seus compatriotas que escrevesse em romeno.
Impossível não se lembrar da nossa eterna espera por um Nobel brasileiro. Temos uma estranha capacidade de transformar o Nobel, o Oscar e qualquer outro símbolo de status cultural em Copa do Mundo. E talvez por isso mesmo os "suicídios literários cometidos na Romênia no fim do segundo decênio do século XXI" e seus efeitos midiáticos me façam pensar quais seriam nossos nomes a aderir a esse protesto tão intenso...
O papel do escritor é debatido, numa era de inícios, de pressa - em que sempre se inicia algo, mas raramente se conclui o que se iniciou. Uma era de inícios, mas sem fins. Acho que foi Santo Agostinho quem disse que a eternização do presente é uma forma de inferno...
Para nossa sorte, a É Realizações está editando toda a obra - em especial, a dramaturgia de Visniec: A história do comunismo contada aos doentes mentais, Máquina Tchekov, O último Godot - a lista é grande. E suas peças começam a ser encenadas por aqui - o que também não é um fato corriqueiro.
De minha parte, afirmo sem constrangimento: estou tentando marcar uma hora com Guy Courtois.
1 comentários:
Eu também estou muito precisada da ajuda de Guy Courtois. kkk. Que coincidência. Estou lendo "O negociante de inícios de romance".
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