Vinte e cinco anos, no máximo
vinte e sete e meio. Cabelo bem aparado, batom alegre. Unhas ilustradas,
brincos balançantes. Nunca vi tão bela operadora de caixa de
supermercado. Escolhi a fila dela para passar minhas compras de terça-feira. As
outras linhas estavam cheias, carrinhos abarrotados no aguardo. Uma outra fileira
era de atendimento prioritário.
Eu vinha de um dia exaustivo de
trabalho em vias de trânsito entupidas, prenhes de impaciência e desmesura. Esperei
uns minutinhos e dei um boa-noite caprichado à moça do caixa. Ela não respondeu.
Nem olhou na minha cara. Repeti, alteando a voz: “Boa noite. Tudo bem?”. Ela não
levantou sequer o olhar. Perguntou apenas se eu queria o CPF na nota fiscal e,
ligeiramente, passou no leitor digital os itens que escolhi.
Era tão desenvolta, tão
competente a moça das unhas desenhadas! Mas desprezou meu boa-noite. Tão cheia
de amanhãs a operadora daquele caixa de supermercado! Mas não era de cumprimentar clientes. Trabalha, cumpre a carga horária e não dá prejuízo à empresa. Não é
sua obrigação dizer olá, bom dia, volte sempre. Foi contratada e exerce bem seu
ofício de registrar mercadorias e receber o pagamento exato do freguês. Está
tudo certo. É fiel ao emprego. Não precisava mesmo me devolver o aceno. Não precisava ir além.
Pra que tanta exigência de minha parte? Por que criar vínculo com o consumidor? Deve ter uma mãe acamada, um marido
violento e um filhote quase bandido. Deve estar de aviso-prévio, apesar da eficiência. Deve se chamar Rodovânia.
Quando voltei ao estacionamento,
um flanelinha me esperava de sorriso largo. "Boa noite. Guardei bem o seu carro".
Não lhe fixei os olhos. Não lhe dei ligança. Por que deveria perder tempo com
um pedinte? Pra que a ousadia da intimidade?
Em casa, as crianças fizeram
festa com os sucrilhos e iogurtes que levei. Não lhes fiz carinho nem permiti
liberdades. Proibi brincarem com meu cabelo e me irritei com a bagunça em cima
da cama. O marido me abraçou zeloso, mostrando a arte nova que havia criado. Afastei-o
com um sorriso abatido, sem viço. Fui deitar doente, indisponível, encaixotada, sem
dar nem um boa-noite.
Maria Amélia Elói
2 comentários:
Muito bom! A ironia das/nas pessoas é sempre assim. Faça o que eu falo mas não o que eu faço. E gostei demais do perfeito e traquejado uso dos Bom dia, bom-dia.
Bom dia, zelosa, assídua e querida leitora. Bjo.
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