A
anterior confiança de Alcides vacilava. Acreditara que, apesar de
toda a conjuntura desfavorável, seria possível a um engenheiro
civil de 23 anos encontrar trabalho na terra da Merkel. Infelizmente,
faltava-lhe uma disciplina para terminar o curso. A professora de
Patologias dos Materiais ameaçava não lhe dar nota para passar.
É
certo que tinha feito um ano com muito namoro e muita cerveja, pelo
que ambos os testes deram negativa. Até maio, no entanto, confiava
que o seu charme e alguma melhoria no trabalho escrito alterassem o
rumo negativo. Quando saiu a fraca nota do trabalho, foi falar com a
professora, uma morena de uns quarenta e poucos anos, de cabelo curto
e seios cheios, que ele costumava comer com os olhos nas aulas,
explicando-lhe que o seu futuro estava dependente apenas daquela
disciplina e pedindo-lhe, insinuante, que não o fizesse voltar no
ano seguinte. Ela avaliou a importância do problema com um olhar
simpático, quase cúmplice.
— Alcides, eu não quero chumbar ninguém, mas você está com uma nota muito baixa. E estamos em meados de junho, as aulas já acabaram; já não há tempo para uma improvável recuperação. O que acha que eu posso fazer?
No
momento, Alcides estava disposto a fazer qualquer coisa para salvar o
ano e tudo lhe parecia possível.
— Professora,
dê-me uma semana. Depois pode fazer-me a prova que quiser.
Foi
uma semana arrasadora. Levantava-se pelas sete e lia tudo o que
encontrava da bibliografia até perto da meia-noite, só com
intervalos para comer. Andava com os olhos como os dos cachuchos, de
tanto queimar as pestanas.
Na
tarde do sábado seguinte, Alcides compareceu na morada indicada, uma
pequena vivenda da encosta de Pedrouços. Um jardinzito separava a
porta, da rua.
A
professora Camila recebeu-o cordialmente, convidando-o de imediato
para lanchar. Vestia-se de maneira informal: um polo amarelo de
decote em bico, que lhe realçava o peito, e umas calças leves pelo
meio da canela. Camila encaminhou-o para a cozinha, para não o
deixar sozinho enquanto preparava o chá.
— Estudou
muito, Alcides? — lançou sorridente.
— Sei
tudo na ponta da língua, professora. Vai ver! — respondeu ele,
sincero.
Instalaram-se
na pequena mesa da cozinha, à frente de um bule de chá e duas
torradas.
— O
seu marido não lancha connosco? — quis saber Alcides.
— Não;
ele afinal saiu ontem para um congresso e só volta amanhã à noite.
Somos só os dois — adiantou, com um sorriso talvez neutro, talvez
não.
Alcides,
como bom entendedor, ficou alerta para quaisquer indícios
propiciadores daquela oportunidade potencial. Talvez por isso lhe
tenha parecido que Camila espalhava a manteiga na torrada de maneira
um pouco lasciva. E bebericava o chá pegando na chávena com ambas
as mãos e fazendo um biquinho com os lábios. Estar a sós com a
professora que tantas vezes desejara, em ambiente não de intimidade,
mas ainda assim de privacidade, espicaçava-lhe os instintos. «Será
que vou ter sorte?», divagava furtivamente.
— Então,
vamos começar? — inquiriu Camila, convidando o aluno para a sala.
Um
pouco nervoso, mas confiante, Alcides instalou-se num maple,
enquanto a professora se sentou no sofá em frente.
— Como
combinámos, Alcides, é preciso que eu fique com a certeza de que
você está bem seguro da matéria, para conseguirmos reverter a
situação. Está calmo e concentrado?
Ao
aceno afirmativo de Alcides, pensou numa pergunta básica e lançou:
— O
que são rochas?
Alcides
baixou os olhos procurando a concentração que se esbatera quando
Camila, ao pensar na pergunta, baixara a cabeça e o tronco, expondo
um pouco mais de pele, no decote.
— São
sistemas químicos inorgânicos. Formaram-se num determinado ambiente
geológico e refletem o equilíbrio termodinâmico atingido na fase
de formação. (…) Têm composição química razoavelmente bem
definida, mas em proporções variáveis, pelo que não há duas
rochas iguais.
— Quais
as tipologias mais frequentes? — continuou Camila, após a mesma
flexão de tronco.
Alcides,
embora atento à pergunta, não conseguiu evitar que os olhos se
abandonassem ao vislumbre daquela alvura láctea. Demorou um pouco a
iniciar a resposta.
— Sabe
a resposta ou passamos a outra? — condescendeu Camila, após uns
segundos.
— Não,
não! — reagiu Alcides. — Em peso, a quarta parte da crusta
terrestre é composta por silício e metade por oxigénio. Os
minerais mais abundantes são os silicatos, nas ígneas (granitos e
basaltos), sedimentares (argilas, xistos e grés) e metamórficas
(gnaisses e micaxistos), seguidos de longe pelos carbonatos, nas
sedimentares (calcários) e metamórficas (mármores).
— Muito
bem! Que rochas predominam nos monumentos portugueses?
A
concentração de Alcides baqueava. Aquelas rotundidades anunciadas
estavam prestes a condená-lo. Baixou os olhos a tentar recompor-se,
mas entrara numa batalha interior, como um computador bloqueado por
excesso de tarefas.
— Alcides,
você prometeu-me que ia preparar-se! O que se passa?
O
jovem, encurralado, resolveu abrir o jogo.
— Professora,
desculpe, mas não consigo concentrar-me — declarou, apontando com
os olhos para a origem da perturbação.
Camila
olhou para o próprio decote.
— Oh,
desculpe. De qualquer modo, na vida profissional temos de saber
ultrapassar certas pequenas distrações. Quer que me tape? —
perguntou, sincera, puxando o decote para cima. Após a hesitação
de Alcides, perguntou com um sorriso irónico: — Ou quer que me
destape?
Alcides
leu a pergunta como uma das tais oportunidades que podem render
benefícios sensuais, se não forem desperdiçadas.
— Posso
escolher? — arriscou, com um sorriso cúmplice e um olhar
brilhante.
Camila
ficou uns segundos calada a avaliá-lo. Depois levantou-se e foi ao
bengaleiro buscar um cachecol.
— Acho
que o melhor é tapar-lhe os olhos, para não se distrair —
anunciou, enquanto lhe enrolava o pano em torno da cabeça, atando-o
atrás.
— Ok,
professora — concedeu Alcides, desistindo de expectativas mais
ambiciosas que tinham chegado a dominá-lo nos últimos momentos. —
Já vi que não tenho sorte…
— Alcides,
você é danado! A sorte não cai do céu; constrói-se todos os
dias. Se calhar foi um ano com brincadeira a mais — ralhou
docemente. — Mas eu não acho mal, se o estudo não for de menos. O
importante é atingir o objetivo. — Meditou um pouco. — Sabe qual
é o meu objetivo, neste momento? Conseguir que você acerte as
perguntas que lhe quero fazer. Mas eu também gosto de jogos —
disse a rir. — Vamos aumentar a parada: por cada resposta certa, eu
tiro uma peça de roupa, serve?
— Maravilha,
professora! Já me agrada mais. E eu?
— Se
você quiser tirar também, esteja à vontade. Uma coisa lhe prometo:
se você acertar as respostas todas, ganha uma prenda no fim…
— Bora
lá, professora! — rejubilou Alcides, a abarrotar de entusiasmo por
baixo do cachecol.
— Vamos
lá, então. Que mármores coloridos da península de Lisboa conhece?
— O
encarnadão de Pêro Pinheiro, o amarelo de Negrais, o azul de Sintra
e o negro de Mem Martins.
— Boa!
Lã vão as sabrinas. O que é a meteorização?
Ao
ouvir o som das sandálias a cair, Alcides lembrou-se de tirar também
os ténis, antes de responder:
— Quando a rocha é arrancada à pedreira e colocada sob o ataque de agentes externos,
como o ar, as diferenças de temperatura, a água — com as
consequentes oxidações, expansões e dissoluções —, as redes
cristalinas da rocha são destruídas ou rearranjadas. É a essa
tentativa de reequilíbrio que chamamos meteorização. A
desagregação é o equilíbrio final que a rocha de um edifício
atinge.
— Boa!
Essa bem merece a camisola. Fora! Fale-me da corrosão.
Ainda
mal pressentira que Camila despia o polo e já Alcides tirava a sua
t-shirt. Cheio de confiança, não hesitou:
— A
corrosão avança nos pontos vulneráveis do sistema cristalino. Os
cristais reais não são perfeitos; podem conter dezenas de milhões
de defeitos por centímetro cúbico: deslocações, lacunas,
impurezas. Tais defeitos representam outros tantos constrangimentos
físicos. Ao nível do grão, uma rocha é tanto mais resistente
quanto mais fino for o seu grão.
— Muito
bem! — incitou Camila, sem dar a entender que o seu olhar, à
solta, se alongara no desfrute do tronco robusto e algo peludo do
aluno. — Calças fora. O que são crostas negras?
Alcides,
de coração acelerado, tirou as calças de ganga. Estava num estado de alguma
agitação, visualizando a professora com o belo peito a sobressair
do sutiã e em calcinhas.
— São
zonas enegrecidas nas superfícies das pedras, constituídas por
depósitos de sais e de partículas da poluição da atmosfera, as
quais produzem gesso a partir do dióxido de enxofre e do ácido
sulfúrico destas, na sua interação com os substratos siliciosos e
carbonatados.
— Certo!
Falta uma. Qual a origem dos oxalatos de cálcio nas superfícies dos
edifícios?
Alcides
ouviu o bater dos fechos do sutiã sobre a mesinha de apoio. A
informação química desencadeada percorreu o seu corpo a alta
velocidade, levando ordens aos corpos cavernosos. Alguma coisa em si
passou a forcejar para se libertar. Alcides ofegava. Era demasiado
bom o que lhe estava a acontecer. E sabia a resposta seguinte.
— Os
oxalatos, visíveis como formações relevadas, não têm origem em
deposições externas sobre a pedra, mas na transformação dela.
Devem ser associados à segregação de ácido oxálico pelas raízes
de fungos, algas e líquenes, na sua atividade bioquímica sobre as
rochas carbonatadas.
— Muito
bem, Alcides, muito bem! Pode tirar o pano dos olhos.
— Yes!
— gritou o felizardo, saltando e arrancando de repelão o cachecol, desejoso de
passar à prometida fase seguinte. Inexplicavelmente, a
professora continuava vestida. Perante o rosto de surpresa e
desapontamento do aluno, Camila sorriu, quase maternal, escondendo
alguma perturbação.
— Ainda
bem que o cachecol permitiu que não se distraísse mais. Correu bem,
não acha? Está satisfeito?
— Satisfeito
é dizer pouco. É evidente que estou muito… mesmo muito contente —
abandalhou Alcides, ainda confiante, exibindo os bóxeres tensos. —
Mas a festa vem agora, não foi o que prometeu, professora?
— Prometi-lhe
uma prenda, sim. Quere-a já? — indagou, um pouco matreira.
— Ó
professora, é o que eu mais quero — inflamou-se Alcides. —
Sempre a desejei!
— Está bem! Eu também acho que é a coisa mais importante para si, agora. Aqui tem. — E estendeu a Alcides uma folhinha com a nota final da disciplina: 11. — Tudo de bom para si, lá na Alemanha!
Joaquim
Bispo
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Imagem:
Escultura de Francisco Simões.
(Este
conto integra a coletânea Bad Girl — Contos Eróticos,
Silkskin Editora, Lisboa, 2015.)
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12 comentários:
Hahahah! Que professora inteligente! Obteve resultado pelos estímulos certos. Mas que vexame do Alcides, hein? Feito de bobo. O peixe se pega pela boca. Os homens, pelo...
Contente! O “estímulo certo” até torna atrativos assuntos áridos… ;)
Castigadora ...
Não sei onde foste descobrir este perversa professora...
As que conheci nunca me convidaram para beber chá "lá em casa"... onde tudo esteve para acontecer.
Pelo conto 20 valores sem chá mas com uma bela lição sobre os calhaus que bem conheces.
Abraço, continua.
Obrigado pela leitura, Artur!
coitados dos materiais!!! tambem sofre de alzeheimer!!!
kkkkkkkkkkk
beiinhos a todos,milita
Obrigado, Peralta!
Sim, há alguns problemas de verosimilhança, mas a realidade, às vezes, também é inacreditável.
Abraço!
Sem dúvida um conto escrito por um homem. Gostei. A professora soube jogar.
Sim, até as rochas dos mais majestosos monumentos se degradam. Ambientes “saudáveis” atrasam essa degradação.
Bjnhs Maria Emília!
Sim, sem dúvida. :) Agradado, anónimo. «A professora soube jogar.» – Sim. Mas também quis jogar. Porque dominava o jogo.
Reli, é excelente!!!
Leio sempre as tuas publicações com satisfação!!!
Obrigado, Artur!
Se os leitores gostam, o esforço do escritor, embora correndo por gosto, faz mais sentido.
Abraço!
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