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domingo, 15 de maio de 2016

pelo sinal


O pai de Margarida a tentar alcançar o barco e o barco a afastar-se.
O barco virado e o mastro desfeito na areia, era já a mãe de Margarida correndo pés de medo pela praia.
Os pés da mãe de Margarida mais corridos do que quando iam buscar a água que se despenhava da falésia, ou quando brincavam pela areia, ou nas rochas, nas pocinhas de água que o mar fazia nelas.
A mãe de Margarida que, com mãos trémulas de comoção e mágoa, acenderia velas aos pés da Virgem agradecendo, e o mar a deixar na areia, um em cada dia, os haveres: o pão desfeito na bolsa de quadrados, e a camisa, e o relógio tal e qual como o pai de Margarida o deixara na algibeira que ficava do lado direito.
O mar a lamber a areia e a deixar cada peça como se fosse prenda. Como se fossem desculpas que o mar apresentasse pelo imenso susto.
O barco tinha ficado mal atracado. Nada mais que uma pedra jogada ao fundo, e um pedaço de corda amarrado à proa do barquito.
Prendo-o melhor depois do almoço, tinha dito o pai de Margarida.
O barco indo num levante que veio com a praia-mar.
A mãe de Margarida disse: o barco desprendeu-se. E o pai de Margarida foi apanhar o barco nadando braçadas impossíveis, e o barco já longe, e nem forças para remar, que mal as teve para subir o calado do que nem era mais que um bote.
Pelos cimos da falésia, os pastores, olhando o homem e olhando o barco, descuidavam os rebanhos.
O sueste  a lamber a areia de uma praia, logo adiante daquela onde a mãe de Margarida ficara rezando, e lá no alto da arriba os pastores prevendo: a onda vai virar o barco e o homem morre.
A mãe de Margarida a rezar tanto, e o barco levado para outra areia, e o barco virado pela onda. Tinham previsto os pastores que, a passarem palavra de uns aos outros, vieram dizer à mãe de Margarida que o seu homem estava salvo, que tinha saltado para a água antes que o barco caísse sobre o mastro que se desfez em pedaços.
Deve ser de quando Margarida se lembra de ver a mãe correndo pelo areal, e nem ela terá percebido que a mãe corria pés de medo. Que nem terá sido logo, logo, que Margarida se confrontou com o mistério da vida e da morte. Mas terá sido naquele dia de ser o barco indo, que Margarida percebeu o poder imenso de benzer-se como ela veria as mulheres: em momentos em que falavam de ter morrido, ou de ter adoecido, ou de ter nascido, ou por um isto ou aquilo que lhes fosse desmedido, levavam os dedos da mão direita muito unidos até à testa e, a seguir, até quase ao ventre e, num gesto sempre muito sacudido, uniam um ao outro cada um dos ombros.
Mas quando a mãe lhe disser: ajoelha-te, filha, a fazer uma reza, Margarida, a sentir o frio da pedra, puxará as saias a proteger os joelhos, e ficará dobradinha, enrolada numa devoção que, ainda não sabe, os céus nunca irão conceder-lhe.
O pai de Margarida quase morto naquele mar que era tão pachorrento. Um mar que raramente dava em ondas de levante e, à noite, uma lua gorda vinha, como um farol, varrer-lhe o imenso negro.
Quando a maré vazava, ficavam as rochas com seus poros dilatados onde a água era tal e qual um espelho. E as cores. Os verdes, os lilases, os azuis. Miríades de tonalidades nas covinhas que o mar deixava ao arredar-se para longe. Outros mundos que Margarida nem ainda sonhava.
E as algas como bichos na areia, como colchas.
Como mantas, dizia a mãe de Margarida.
O odor do iodo confundia-se com a névoa ao fim das tardes e, pelas noites, as estrelas vinham banhar-se: nuas, despegavam-se da abóbada celeste em mergulhos acrobáticos, e Margarida batia palmas a sugar sentidos nas pedrinhas encharcadas em água salgada.

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