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sexta-feira, 20 de maio de 2016

Contículos


O contista contido Rui Sá resolveu escrever
do único jeito que sabia ser: minimalista.
Não por preguiça ou economia de palavras,
mas por uma intenção mais nobre:
instigar a imaginação do leitor, provocando o próprio
a criar o começo e os desdobramentos das histórias
que habitam esses contículos. Pode ser uma bobagem.
Pode ser um exercício de leitura e pensamento.
Pode ser algo divertido: pensar não custa nada.
Ao trabalho, leitores.

1.
O pequeno caixão branco baixou os sete palmos.
Davina apoplética assistiu à cena se perguntando:
"Por que meu sono é tão pesado? Por que não percebi o engasgo?".
À última pá de terra, encerrou-se a vida de uma mãe.
E brotou entre as flores e para sempre uma culpa frondosa.

2.
- Pai, o que é equanimidade?
- Menina! Você me irrita com essas perguntas fora de hora!
Que diabo!? Não vê que estou lendo?
- Mas pai...
- Dirce! Tira essa menina daqui! Senão eu faço uma besteira!
O pai sacolejou o jornal. Tentou se concentrar no que o perturbava.
Palavras Cruzadas: equilíbrio, moderação, comedimento, doze letras.

3.
Disse o velho babão para a arrumadeira brejeira do hotel:
- Fica para dormir comigo, moça bonita.
- Tenho tempo pro senhor não, seu dotô.
- Então, só um cochilinho, minha filha.

4.
Toca a campainha. É o síndico.
- Boa noite, senhor.
- Senhor não, Coronel!
- Pois não, Coronel.
- O motorista de seus filhos foi pego frequentando o elevador social.
O senhor sabe que é proibida a presença de serviçais nas dependências
sociais do condomínio?
- Posso até não concordar com a proibição, senhor, digo, Coronel.
Mas adianto que as pessoas que trabalham na minha casa são consideradas
membros da família. Portanto, podem frequentar qualquer dependência do prédio.
- Ah é? Então quer dizer que o motorista dorme também na sua cama?
- Só quando sua mulher vem aqui. Geralmente à tarde, Coronel.

5.
Rubinho sempre foi tido como um menino esquisito na vila onde morava.
Cresceu excêntrico, entre a pecha de genial e doido varrido.
Uma vez, já adulto e solitário, procurou companhia nas redes sociais:
“Quero amar uma mulher perneta e com vitiligo. ”
Apareceu uma só: Dagmar.
Não sei se por gratidão, despreconceito, paixão ou compaixão,
mas vivem juntos e felizes até hoje.

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José Guilherme Vereza
Carioca, botafoguense, pai de 4 filhos. Redator, publicitário, professor, roteirista, escritor, diretor de criação. Mais de mil comercias para TV e cinema. Uma peça de teatro: “Uma carta de adeus”. Um conto premiado: “Relações Postais”. Um livro publicado “30 segundos – Contos Expressos”. Mais de 3 anos na Samizdat. Sempre à espreita da vida, consigo modesta e pretensiosamente transformar em ficção tudo que vejo. Ou acho que vejo. Ou que gostaria de ver. Ou que imagino que vejo. Ou que nem vejo. Passou pelos meus radares, conto, distorço, maldigo, faço e aconteço. Palavras são para isso. Para se fingir viver de tudo e de verdade.
todo dia 20


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