O contista contido Rui Sá resolveu escrever
do único jeito que sabia ser: minimalista.
Não por preguiça ou economia de palavras,
mas por uma intenção mais nobre:
instigar a imaginação do leitor, provocando o próprio
a criar o começo e os desdobramentos das histórias
que habitam esses contículos. Pode ser uma bobagem.
Pode ser um exercício de leitura e pensamento.
Pode ser algo divertido: pensar não custa nada.
Ao trabalho, leitores.
1.
O pequeno caixão branco baixou os sete palmos.
Davina apoplética assistiu à cena se perguntando:
"Por que meu sono é tão pesado? Por que não percebi o engasgo?".
À última pá de terra, encerrou-se a vida de uma mãe.
E brotou entre as flores e para sempre uma culpa frondosa.
2.
- Pai, o que é equanimidade?
- Menina! Você me irrita com essas perguntas fora de hora!
Que diabo!? Não vê que estou lendo?
- Mas pai...
- Dirce! Tira essa menina daqui! Senão eu faço uma besteira!
O pai sacolejou o jornal. Tentou se concentrar no que o perturbava.
Palavras Cruzadas: equilíbrio, moderação, comedimento, doze letras.
3.
Disse o velho babão para a arrumadeira brejeira do hotel:
- Fica para dormir comigo, moça bonita.
- Tenho tempo pro senhor não, seu dotô.
- Então, só um cochilinho, minha filha.
4.
Toca a campainha. É o síndico.
- Boa noite, senhor.
- Senhor não, Coronel!
- Pois não, Coronel.
- O motorista de seus filhos foi pego frequentando o elevador social.
O senhor sabe que é proibida a presença de serviçais nas dependências
sociais do condomínio?
- Posso até não concordar com a proibição, senhor, digo, Coronel.
Mas adianto que as pessoas que trabalham na minha casa são consideradas
membros da família. Portanto, podem frequentar qualquer dependência do prédio.
- Ah é? Então quer dizer que o motorista dorme também na sua cama?
- Só quando sua mulher vem aqui. Geralmente à tarde, Coronel.
5.
Rubinho sempre foi tido como um menino esquisito na vila onde morava.
Cresceu excêntrico, entre a pecha de genial e doido varrido.
Uma vez, já adulto e solitário, procurou companhia nas redes sociais:
“Quero amar uma mulher perneta e com vitiligo. ”
Apareceu uma só: Dagmar.
Não sei se por gratidão, despreconceito, paixão ou compaixão,
mas vivem juntos e felizes até hoje.
sexta-feira, 20 de maio de 2016
Contículos
por José Guilherme Vereza
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