Ela não se exige mais a estética doentia. Não lhe assentam bem as roupas, as joias, os olhos pesados de tintas. A exceção está nos cabelos bem cortados e hidratados. Recrimina-se por ceder à tesoura e aos cremes os fios médios, uma vez por mês. É um vício. De resto, nada mais que a subordine a nenhuma prática ordinária.
A invisibilidade foi caminho conquistado aos poucos. Tempo demais até se tornar um nada plausível. Mas agora ela é um eco. Uma voz sem imagem. Somente alguém do outro lado da tela, do outro lado da rua, virando a esquina. Indo. Ela é um flash.
Carnes duras. Unhas curtas. Sobrancelhas incertas que se esparramam por trilhas interrompidas. Rugas não petrificadas por injeções infernais. Celulites, varizes, estrias. Ela tem todas. Desleixos que chama de destino ou carma.
Se não fosse pelo medo incompreensível que aprendeu a sentir do Deus da sua infância, ela não encostaria mais o seu corpo em nenhum outro, nem falaria com mais nenhuma gente, nem sairia de casa, nem deixaria que o cão gostasse dela. Mas tem trabalhado persistentemente a cabeça para se livrar dessa fatura injusta que é amar ao próximo.
Ela vai explodir as pontes. Eventualmente. Por ora, as pontes estão intactas. Separando o que ela se tornou do que ela foi. Mantendo distantes armadilhas antigas. Afagos. Abraços. Cabelos alisados com formol. Dietas sem carboidratos. Política. Esmalte. Lápis preto nos olhos. Sexo. Livros. Biscoito recheado. Gargalhada. Coca-cola de lata para curar ressaca. Beijo. Planos. Cinema. Cinema. Cinema. Cerveja. Afeto.
Agora, ela é um eco. Um flash. Quando for desapego, ela explode as pontes.
4 comentários:
Adorei esse texto, Cinthia! Essa sou eu! Parabéns, querida, você falou o que muitas, muitas de nós estamos vivenciando.
"Tempo demais até se tornar um nada plausível." Cinthia, sua narrativa, de tão sólida e vibrante, parece aquelas "pontes" que imagino suspensas e insustentáveis como as tentativas de conter a vida. Nesse momento de "muros na esplanada", também permite devaneios que contornam a política indesejada. Seu texto implode estruturas dissimulando desapego e eu me atrevo a aplaudir quando descem as cortinas - "Cinema. Cinema. Cinema.". Bravo!!!!
Muito obrigada, Cecilia! É uma realidade. Mas, por ora, vamos deixar as pontes inteiras, certo? Bjs
Baltazar! Agradeço muito pela leitura, pela análise e pelas palavras! Bjs
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