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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Uma questão de ritmo

                                                         (desenho de Milo Manara)



Cris era professora do primário e gostava muito do que fazia. Desde que nos conhecemos ela disse gastar energia demais com as crianças e, por isso, não ter o menor desejo de ser mãe. No começo nem me preocupei, nem quando nossa transa foi ficando mais séria, nem quando ela passou a dormir mais noites na minha casa, nem quando trouxe de vez a gata Alice e as tralhas todas. Eu já tinha morado com duas mulheres e as duas traziam filhos, por isso já tinha sido um pouco pai. Isso de um lado. De outro, com quarenta e cinco anos, tinha como certo que o lance de ter filhos tinha passado. E nem sentia vontade, criança dá trabalho, é confusão pra vida inteira.
Só que a negativa da Cris, esse pavor que ela tinha à idéia, foi me dando um desespero. Três dias antes do meu aniversário tomei um porre daqueles miraculosos, reveladores. Ali eu vi. Não queria morrer sem a porra de um filho meu. Os dois que eu tinha criado por um tempo nunca mais travaram contato, mesmo eu tendo convivido seis anos e meio com o André. Até hoje acho que foi a impossibilidade de ter filhos que foi me tirando o tesão da Cris. Claro, eu podia sair por aí e fazer um filho em alguma mulher. Mas não era só o filho em si. Eu queria a criança com uma mulher que estivesse perto, queria ver esse filho, ter certeza de que ele existia.
Pra ser bem sincero, nem sei se era de fato pelo bebê. Acho mais é que trepar a Cris sem sentir que poderia fecundá-la me capava. A cada vez lembrava o maldito araminho no útero, com seus íons destruindo meu exército. Eu virava um fraco assim. Tudo foi se juntando: morte, medo, filho, fazer nenê na barriga dela, raiva. Fui me desinteressando. Mal começávamos a nos pegar mais forte e lá vinha a imagem, o araminho, crescendo na minha cabeça à proporção que eu murchava. Ela já tinha notado e por duas vezes veio me falar a respeito, toda compreensiva, da primeira, dizendo que sabia que com uma certa idade a coisa pode não funcionar sempre com perfeição, que ela não se preocupava nem nada, pra eu ficar tranquilo. Da segunda, alguns fracassos depois, ela veio diferente, cobrando, querendo saber que lance tava na parada, quem era a mulher, que merda era aquela. Catou a Alice no colo e passou uma semana fora, enfiada na casa de não sei quem. Aí que eu vi melhor. Nos primeiros dois dias fiquei até mais alegre, era bom ter o espaço todo pra mim, cantar sozinho, largar chinelo no meio da cozinha, roupa na cadeira do escritório, deixar a louça abarrotada. Mas depois fui lembrando. A merda é que eu gostava da Cris.
Quando por fim ela resolveu voltar, toda linda e arrependida, eu estava melhor. Tinha dado umas saídas, levantado o moral, confirmado que ainda tinha muita mulher que, se não fácil fácil, com certo capricho vinha comigo. Eu não era um decrépito. Ajeitava minha barba no espelho, tirava os pelos que cresciam a mais no nariz, e ainda dava pra conseguir muita coisa na vida, se dava. Com ela de novo em casa, ampliei as investidas virtuais, porque aguçar a imaginação certamente ia me fazer esquentar mais com a Cris. Umas conversinhas com câmera e consultas ao material de incentivo que existe aos montes nas mídias atuais. Enquanto ela ensinava o bê-a-bá às criancinhas, eu brincava de me excitar constatando cada vez mais extasiado que não tinha nenhuma questão orgânica: a irrigação estava boa, o membro rijo, e as mulheres pra quem cheguei a mostrar imploravam e ainda elogiavam o tamanho. Sempre o tive generoso, é fato.
Procurava não exagerar nessas conversas porque não queria correr o risco de ser pego em flagrante. Mantive, mas fui dando mais espaço pra velha prática das revistas, fotos, vídeos, agora tudo na rede, à mão. A Cris saía pra dar aula, os cabelos quase sempre presos num coque no alto da cabeça que eu precisava me esforçar pra não desmanchar, porque sempre gostei dos cabelos castanhos e de reflexos dourados dela, me dava um beijo enquanto eu ainda estava na cama, e assim que trancava a porta eu acendia um cigarro e começava o meu divertimento. Só depois pensava em café, muito depois em trabalho. Logo que almoçava, era hora do cochilo, mas antes mais uma gastada de energia. Perto de seis horas eu queria ver mais um pouco (ao longo da tarde, enquanto trabalhava, eu abria vez ou outra uma fotinho, só pra espantar o sono), mas me limitava a um vídeo rápido, duração máxima três minutos e meio, e me impunha a obrigação de não usar as mãos pra nada, assim ficava a ponto de bala quando a Cris chegava. Contenção, sempre ajuda. Eu atrapalhava o banho dela de tanta fome, mas ela estava mais alegre e isso me animava a prosseguir com meu ritmo de pesquisas. Gostava de fazê-la feliz. Queria conseguir cada vez mais, até que ela se libertasse do pavor de ter bebê e mandasse o médico botar fora o arame, pro esperma nadar solto, minha potência liberta e forte.
Tudo seguia cada vez melhor, os meses passando e eu sempre mais animado. Fui intensificando minhas práticas e, agora, se acordava de madrugada, já ia pro banheiro com o celular na mão e batia uma vendo algumas fotos, muito raro pegava alguma mulher também acordada pra papear e me mostrar suas coisas, depois voltava quentinho pra cama com a Cris. Ela nunca mais tinha reclamado nada, nosso único problema era que eu estava recebendo um pouco menos, porque com a minha prática não conseguia mais manter a mesma produtividade. Sem perceber direito, fui aumentando as consultas. No meio da manhã a necessidade vinha e eu me divertia um pouco, pensava logo voltar pra labuta mas às vezes pegava num papo forte e a coisa demorava mais que o previsto, a manhã já tinha ido embora e eu recorria a um miojo pra sentir que tinha cumprido o horário do almoço e já podia ver uns filminhos pra cochilar e então pegar no pesado.
Mesmo assim, não posso dizer que tínhamos problemas, e eu concentrava meu pensamento em fazer a Cris se desesperar de amor e tesão por mim. Era meu objetivo principal, minha meta, que eu cumpriria mesmo que precisasse sacrificar um pouco mais os trabalhos. Só que aí surgiu um convite pra um frila interno, na redação de uma revista de Odontologia. Coisa de boca me dá nojo, mas a Cris falou tanto que ia ser bom eu poder voltar ao convívio profissional que vi que teria que aceitar. A grana ainda por cima era boa, então juntei coragem e fui, tocava enfrentar o contato diário com chefes e companhia, sair da toca.
Antes de começar nem imaginei outro tipo de problemas que não aguentar chateações típicas de empresas. Mas passei a ter que sair bem cedo e não tinha chance de olhar nada. No trabalho, mesmo quando havia pausas mínimas, não podia arriscar, os computadores eram todos monitorados. Se fosse pego acessando material adulto perdia não só o trampo, mas arriscava a reputação de jornalista que vinha procurando reconstruir. Tentei usar a hora do almoço, mas nunca conseguia ir sozinho, os colegas estavam sempre junto, comendo, falando dos filhos, reclamando da mulher, aquele troço me embrulhava e eu não podia nem comer a mousse de limão que o restaurante sempre lançava como sobremesa grátis. Precisava de alguma recompensa pra recuperar meus dias, minha autoestima.
Começava a redigir as matérias sobre os encontros internacionais dos dentistas e só pensava em tetas, cabelos, bundas. Mas pelas primeiras duas semanas suportei firme. Quando chegava em casa, sempre antes da Cris, o plano era segurar, mas era tão complicado que eu levava um vídeo só, ou às vezes apenas umas fotos, coisa rápida. Até que naquela terça-feira me vi na premência total. Uma dentista veio à redação e passou a manhã lá, falando, lendo as coisas escritas, dando sugestões. Ela era toda autoritária e se achava entendida em português, mas nem dava pra ligar pra nada disso, porque o que ela mostrava era muito melhor – sensacional, em verdade. O pau crescia sem controle debaixo da mesa, porém fui firme. Segurei até a hora do almoço, tentei escapar sozinho, tinha vindo até aviso no meu celular de uma mocinha do Sul que às vezes falava comigo, mas dois malas vieram junto almoçar. Pretextei dor de barriga e voltei logo pra redação, sem botar quase nada da comida pra dentro. Sabia que as salas estariam quase todas vazias. Se não sem ninguém, ao menos o povo da minha sala não voltava antes das duas.
Corri pro banheiro, celular numa mão, fone de ouvido na outra. Nem precisava de muito estímulo, o negócio é que curtia ver, era importante pra eu me sentir inteiro. Entrei com os fones grudados nas orelhas. Tranquei a porta e o vídeo já tinha carregado, era só soltar o play, seria coisa rápida. Com a mão agindo, encostado aos azulejos bege-claro daquele banheiro velho, o celular apoiado na pia, um olho nas duas peitudas da tela e outro nos meus movimentos refletidos no espelho em frente, sinto no canto inferior do espelho um mexer ligeiro de algo amarelo. Tinha uma porra de uma pessoa ali dentro, atrás de mim. Na cabine. Devia estar cagando, quem seria? Será que o Paulão já tinha voltado do almoço no maior silêncio pra vir pro banheiro?
Precisava sair dali, só que minha mão não obedecia, a loira agora enfiava a boca na bunda da morena, faltava pouco, mas o amarelo apareceu de novo, desta vez movimentando-se mais lentamente. Consegui ver melhor. Era uma merda de uma bota de plástico. Não dava pra parar a cena da morena socando um dildo atrás da loira, mas era a moça da faxina que estava ali. Os dois olhos quase estourando, a boca meio aberta, a língua solta escorregando em cima do lábio inferior. Ela me via, eu tinha que parar tudo, eu queria parar tudo, de vergonha e medo, mas não tinha mais como. A porra já subia e ia sair e a cara dela não era de recato. A filha da puta estava gostando. Minha hesitação durou nem meio segundo. Abri a porta da cabine e catei-a pela toca que lhe cobria os cabelos, mandando Enfia a boca aí, ao que ela obedeceu, os olhos tesudos mas também temerosos. Depois que ela engoliu tudo, soltei aquela touca verde-claro e mandei ficar no banheiro, sair só bem depois de mim. Prometi uma grana que me faria falta, mas achei melhor. Que pegasse logo e sumisse, fosse limpar qualquer outro canto da empresa.

Sentado na minha mesa, fui recompondo a respiração. Andei até a máquina de café e mandei ver num puro, enquanto tudo ia desacelerando. Botei a cabeça pra funcionar, essa porra dessa mulher provavelmente ficaria até sexta no escritório, toda semana vinha equipe nova de limpeza, pelo que eu tinha sacado, logo eu nunca mais a veria. Em minutos decidi que estava fora de perigo, afinal, ela tinha gostado. Naquela noite, comi Cris de todo jeito, até fazê-la, rastejando, emocionada de amor, prometer tirar a porcaria do DIU. Devo ter-lhe feito o Mateus uns três ou quatro dias depois. Isso faz quase dois anos. Ela entrou de licença e voltou a trabalhar quando ele tinha seis meses. Eu que fico com ele, a maior parte do tempo. Boto no cercadinho e vou fazendo meus frilas em casa, interno não quis mais de jeito nenhum. Aqui tenho tudo e não precisamos gastar com babá. Os bebês são tão inocentes que o Mateus se enche de rir ao me ver batendo uma com a cara quase colada no monitor. Algumas vezes, quando vou explodir, viro pra ele e mostro, pra já ir ensinando. Ele ri um montão. Depois limpo tudo com uma toalhinha e volto pro trabalho, que até dar a papinha dele tem tempo.

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