Cuba já possuia uma comunidade judaica importante. Na década de 20, parte significativa dos judeus de Kirklareli, no finado Império Otomano, passaram por lá - muitos ficaram, outros partiram para os Estados Unidos e até para cá..., mas isso é assunto para outro momento.
O fato é que, por pressão americana (os EUA só entrariam na guerra no final de 1941), Cuba foi forçada a negar o asilo, ao cobrar dos refugiados tamanha soma de dinheiro que, na prática, fez com que o navio retornasse para Hamburgo da forma como veio. Desesperados, os passageiros saltavam ao mar. O navio também foi expulso dos EUA e do Canadá. Escrito antes do estouro da crise de refugiados de 2015, é impossível lê-lo, hoje, sem traçar algum paralelo com a situação atualmente vivida pelos sírios em direção à Europa.
Mas, em 1939, ao menos uma pessoa conseguiu desembarcar do Saint Louis.
Daniel Kaminsky era então um garoto. Como conseguiu isso? O tio Joseph, que já aguardava os Kaminsky em Havana, tinha algo a oferecer. Algo que estava com a família há geraçõs. A chave está numa imagem de Cristo, atribuída a Rembrandt, e que foi utilizada como moeda nas docas de Havana. A corrupção imperava na Cuba daqueles anos. Padura é uma figura peculiar na Cuba castrista: claramente não alinhado ao regime, é por ele tolerado com liberdade. Não se furta a tratar da corrupção de seu país, bem como a decadência pós-URSS. Ao mesmo tempo, mostra um povo capaz de viver como se estivesse sempre em uma festa, apesar da situação política e econômica caótica.
Mas, em 1939, ao menos uma pessoa conseguiu desembarcar do Saint Louis.
Daniel Kaminsky era então um garoto. Como conseguiu isso? O tio Joseph, que já aguardava os Kaminsky em Havana, tinha algo a oferecer. Algo que estava com a família há geraçõs. A chave está numa imagem de Cristo, atribuída a Rembrandt, e que foi utilizada como moeda nas docas de Havana. A corrupção imperava na Cuba daqueles anos. Padura é uma figura peculiar na Cuba castrista: claramente não alinhado ao regime, é por ele tolerado com liberdade. Não se furta a tratar da corrupção de seu país, bem como a decadência pós-URSS. Ao mesmo tempo, mostra um povo capaz de viver como se estivesse sempre em uma festa, apesar da situação política e econômica caótica.
Mas, na Havana atual, Mario Conde, ex-policial, livreiro e eventualmente detetive, é procurado por Elias, filho de Daniel. Quer saber o que exatamente aconteceu naquele episódio - afinal, os pais e irmãos de Daniel voltaram para a Alemanha e morreram nos campos. O que, exatamente, não funcionou naquele dia?
No entanto, o grande momento do livro não é o século XX, e sim, o XVII.
O mistério em torno da tela de Rembrandt remete à Amsterdam de 1645-1647, a situação dos judeus e também a relativamente pouco explorada situação interna da comunidade. Havia um judeu trabalhando com o Mestre. E talvez o maior momento da pesquisa seja justamente a última parte, com a carta descrevendo o pogrom da Polônia, também no século XVII. A carta vale o livro.
O post deve parar por aqui - afinal, trata-se de um romance histórico mas, também, policial. Padura fecha muito bem as três histórias que compõem Hereges: do Saint Louis de 1939, passando por Amsterdam de 1645 e Cuba de 2007, passando por refugiados judeus em Cuba e refugiados cubanos em Miami e pela Cracóvia de 1648.
Mas, atente aos hereges: Daniel é um herege, ao abandonar a fé judaica para se tornar um cubano típico - ele faz um esforço deliberado e consciente nesse sentido; o judeu que trabalha para Rembrandt, pintando e desenhando figuras humanas de forma clandestina em Amsterdam é um herege, assim como Judy, jovem cubana privilegiada que se torna emo - sua história toma a terceira parte do livro, mas é justamente a que menos funciona em toda a narrativa. Os hereges estão aí em busca de liberdade. Na entrevista para O Globo:
Decidi resgatá-lo para uma história que deveria abarcar a relação das pessoas com as ortodoxias que nos rodeiam e a busca pela liberdade. Primeiro, a história de um adolescente judeu que chega a Cuba vindo da Europa e começa a assumir o modo de vida da ilha até se converter em um cubano. Depois, a história dos judeus sefaradis na época de Rembrandt e a da jovem que pertence a uma tribo urbana no presente cubano.
Padura se mostra, como em O homem que amava os cachorros, um grande e detalhista pesquisador - além de excelente romancista.
No entanto, o grande momento do livro não é o século XX, e sim, o XVII.
O mistério em torno da tela de Rembrandt remete à Amsterdam de 1645-1647, a situação dos judeus e também a relativamente pouco explorada situação interna da comunidade. Havia um judeu trabalhando com o Mestre. E talvez o maior momento da pesquisa seja justamente a última parte, com a carta descrevendo o pogrom da Polônia, também no século XVII. A carta vale o livro.
O post deve parar por aqui - afinal, trata-se de um romance histórico mas, também, policial. Padura fecha muito bem as três histórias que compõem Hereges: do Saint Louis de 1939, passando por Amsterdam de 1645 e Cuba de 2007, passando por refugiados judeus em Cuba e refugiados cubanos em Miami e pela Cracóvia de 1648.
Mas, atente aos hereges: Daniel é um herege, ao abandonar a fé judaica para se tornar um cubano típico - ele faz um esforço deliberado e consciente nesse sentido; o judeu que trabalha para Rembrandt, pintando e desenhando figuras humanas de forma clandestina em Amsterdam é um herege, assim como Judy, jovem cubana privilegiada que se torna emo - sua história toma a terceira parte do livro, mas é justamente a que menos funciona em toda a narrativa. Os hereges estão aí em busca de liberdade. Na entrevista para O Globo:
Decidi resgatá-lo para uma história que deveria abarcar a relação das pessoas com as ortodoxias que nos rodeiam e a busca pela liberdade. Primeiro, a história de um adolescente judeu que chega a Cuba vindo da Europa e começa a assumir o modo de vida da ilha até se converter em um cubano. Depois, a história dos judeus sefaradis na época de Rembrandt e a da jovem que pertence a uma tribo urbana no presente cubano.
Padura se mostra, como em O homem que amava os cachorros, um grande e detalhista pesquisador - além de excelente romancista.
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