Até bem pouco tempo atrás, a criatura aqui não tinha, dentre os textos produzidos, um só conto, um só poema, uma só crônica sobre a grande paixão nacional! Pode isso, Arnaldo? Alguém que se autodenomina patriota, atleticana e amante das artes, alguém que vai às lágrimas só de vestir as filhotas de verde-amarelo cometer tamanho crime de lesa-pátria, de lesa-chuteira, de lesa-literatura brasileira? Então, antes que algum juiz me apresentasse um cartão vermelho e me expulsasse de vez da Literatura, pus-me logo a redigir este texto – que pretendo leve como as escapulidas do Neymar e menos enfartante que os jogos da Seleção Brasileira na última Copa.
Como a maioria das mulheres, não sou especialista nas regras do futebol, nem sei de cor os nomes dos jogadores escalados para os grandes campeonatos. Tampouco faço questão de salvar na memória aqueles detalhes importantíssimos que os comentaristas fazem questão de despejar, exibidos – como os anos em que o Galo foi vice-campeão no campeonato estadual; ou o nome do artilheiro do Grêmio que, em 12 de abril de 1965, não foi escalado para uma prova contra o Inter porque havia comido churrasco demais no almoço e, indisposto, teve de se manter sentado no trono, enquanto a equipe perdia o jogo por 3 a 0.
Também devo confessar que não tenho muita sorte em estádios. Para a última Copa, por exemplo, a Copa das Copas, a Copa no meu país, a Copa na minha cidade, não consegui um ingressozinho sequer, nem para assistir ao jogo da Suíça e Equador.
As raras vezes em que estive em estádios para ver partidas de futebol foram meio esquisitas. Num jogo da série B no Serejão, em Taguatinga, entre o Brasiliense e um outro time de que não me recordo o nome, perdi justamente os dois gols da partida. Cheguei ao estádio alguns minutos atrasada, quando o primeiro gol tinha acabado de acontecer. No final do intervalo, resolvi mudar de local na arquibancada e perdi o outro gol, que saiu logo no início do segundo tempo. Meu afilhado, na época com 11 anos de idade, que foi comigo ao jogo, ficou tão desapontado com o 1 a 1 com cara de 0 a 0, que quase me deserdou como madrinha.
Quando me casei, há nove anos, passei a lua de mel em Recife, terra natal do digníssimo. Lá dei a ele uma das mais belas provas de amor de que uma noiva é capaz: fui ao Arrudão assistir com ele a um clássico do Santa Cruz e Sport. Tenso demais! Milhares de torcedores enlouquecidos, balançando a arquibancada, comendo caranguejo, bebendo e xingando em pernambuquês. Para a sorte desta esposa, o jogo terminou em 0 a 0, e ninguém foi espancado. Eu e o marido tricolor saímos de lá vivos, graças a Deus.
Na última vez em que compareci a um estádio, a torcida do Galo estava feliz da vida, depois de meu time forte e vingador haver ganhado a Taça Libertadores, naquele campeonato dos milagres. Fui com a família toda ao Mané Garrincha, numa animação que dava gosto. E não é que o carrasco histórico do Galo, um timeco do Rio chamado Flamengo, goleou o meu time por 3 a 0? Decepção! No meio do jogo, quando o Atlético já havia levado dois gols, minha filha Luana perguntou se não podia torcer para o outro time, já que o nosso estava perdendo.
Outro dia eu via um amigo postar no Facebook que gosta mesmo é do noticiário esportivo imparcial e que só devia haver no telejornalismo futebolístico matérias como as do Ernesto Paglia. Transcrevo aqui o que esse amigo defendia: “Nada daquelas metáforas, dados sem qualquer importância, musiquinhas épicas, típicas da escola Tino Marcos, depois elevadas ao cubo com o Régis Rösing”. Penso o contrário. Adoro textos leves sobre futebol, bem como imagens peculiares do jogo casando com a crônica e a poesia. A crônica, neste caso, me traz bem mais prazer que o jornalismo nu e cru, sem liberdade estilística.
Eu acho o máximo ver o futebol – esta invenção tão importante quanto a roda, o relógio e a lâmpada – alimentando a TV, o rádio, os jornais, os livros e a internet. Quem não consegue ser escalado nem para o time reserva, que entre em campo pelo menos para criar livremente e dar seus pitacos cá fora! O futebol é vivo demais para escapar ao texto. Os dribles dos craques, os chutes certeiros, as reações dos técnicos e árbitros, encrencas, mordidas, o delírio das torcidas, a alegria e a tristeza morando lado a lado e se alternando, o inacreditável tornado realidade no último segundo da prorrogação ou até mesmo na cobrança de pênaltis...
Pode haver algo mais arrebatador para um ser humano? Pode haver algo mais humano? Talvez a literatura! Por isso, parece-me tão necessário traduzir em texto a epifania de um bom jogo de futebol.
Maria Amélia Elói
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
O esporte das epifanias
por Maria Amélia Elói
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