O telefone tocou, mais
uma vez durante o dia. Eu estava atarefado, ocupado, trabalhando.
Automaticamente atendi a ligação. Em alguns segundos, pensei que
era um trote, uma brincadeira de mau gosto, um filho de chefe
divertindo-se com o telefone. A pessoa pedia com jeito, um tanto sem
graça, o tom de voz não mentia. Ela disse que trabalhava no prédio
do outro lado do Anhangabaú, e que a minha janela, só a minha
janela, do prédio todo, refletia o sol em sua direção. E isso o
incomodava, durante quinze, vinte minutos. Sempre tinha de baixar a
persiana para continuar a trabalhar. Mas, por se tratar de uma única
janela, contou os andares, viu onde ficava o prédio e, depois de uma
rápida pesquisa, achou o telefone de minha empresa. Pedi para que
abrisse a sua janela e me fizesse um sinal, para que eu visse que era
verdade. Lá longe, vi uma pessoa me acenando. Acertamos que, em
determinada hora da manhã, eu abriria a janela, pelo pouco tempo que
durasse a passagem do sol pelo vidro. Adotei um novo hábito, em
alguns dias eu a abria sem pensar, e sabia quando fechá-la. Jamais
soube quem era ele, tampouco falei a respeito dele. Semanas depois
informaram-me que eu iria mudar de lugar, devido a uma promoção.
Fiquei olhando a pessoa que ocupou meu lugar, não tive como contar a
respeito do reflexo da janela. Não demorou muito para o telefone
tocar. Meu novo colega ouviu o pedido, olhou em direção ao outro
lado do vale e desligou o telefone, indiferente. Não mais abriu a
janela pelas manhãs.
1 comentários:
Muito boa!!
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