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domingo, 17 de janeiro de 2016

O reflexo








                     O telefone tocou, mais uma vez durante o dia. Eu estava atarefado, ocupado, trabalhando. Automaticamente atendi a ligação. Em alguns segundos, pensei que era um trote, uma brincadeira de mau gosto, um filho de chefe divertindo-se com o telefone. A pessoa pedia com jeito, um tanto sem graça, o tom de voz não mentia. Ela disse que trabalhava no prédio do outro lado do Anhangabaú, e que a minha janela, só a minha janela, do prédio todo, refletia o sol em sua direção. E isso o incomodava, durante quinze, vinte minutos. Sempre tinha de baixar a persiana para continuar a trabalhar. Mas, por se tratar de uma única janela, contou os andares, viu onde ficava o prédio e, depois de uma rápida pesquisa, achou o telefone de minha empresa. Pedi para que abrisse a sua janela e me fizesse um sinal, para que eu visse que era verdade. Lá longe, vi uma pessoa me acenando. Acertamos que, em determinada hora da manhã, eu abriria a janela, pelo pouco tempo que durasse a passagem do sol pelo vidro. Adotei um novo hábito, em alguns dias eu a abria sem pensar, e sabia quando fechá-la. Jamais soube quem era ele, tampouco falei a respeito dele. Semanas depois informaram-me que eu iria mudar de lugar, devido a uma promoção. Fiquei olhando a pessoa que ocupou meu lugar, não tive como contar a respeito do reflexo da janela. Não demorou muito para o telefone tocar. Meu novo colega ouviu o pedido, olhou em direção ao outro lado do vale e desligou o telefone, indiferente. Não mais abriu a janela pelas manhãs.






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Rafael F. Carvalho
Autor do livro A Estante Deslocada, é paulistano, nascido em 27 de Fevereiro de 1978. Foi publicado em antologias de novos escritores e em jornais universitários, e é formado em Letras pela Universidade de São Paulo.


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