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quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O Presente

Quarenta e três anos, trezentos e sessenta e três dias e algumas horas. Daqui a dois dias farei quarenta e quatro. Difícil imaginar que tanto vivi. Besteira! Sou jovem ainda. Volta e meia me pego feito um velho falando. Velho aos quase quarenta e quatro? Muitos começam realmente a vida nesta idade, porém, sempre pensei que não vingaria trinta e cinco. Pura intuição, longe da racionalidade que um estatístico como eu deveria se possuidor. Quase acertei quando uma crise de apendicite me pegou de surpresa dois meses após o meu trigésimo quinto aniversário. Vi a cara da morte. De qualquer forma, eu falhei nas previsões. Estar vivo é a prova. Sou um Nostradamus de araque, um profeta de quinta categoria, Ainda bem.
Nunca consegui fazer um embrulho que preste. Sem jeito mandou lembranças. Sou uma negação com trabalhos manuais, não sei trocar uma tomada. O Jorge, porteiro do prédio, é que me salva nestas situações domésticas. Sou bom mesmo é com a cabeça. Números. Sou uma calculadora ambulante.
Mas está muito do mal feito este pacote. Benza Deus! O papel está amarrotado, as dobras mal feitas, a fita adesiva que prende as extremidades parece ter sido aplicada por uma criança. E o que dizer do barbante frouxo? Pura vergonha! Mas o que está dentro é o que conta. Em verdade, vale mesmo é a intenção. Oswaldo na certa vibrará com a minha lembrança. Sujeito solitário o Oswaldo, o pobre! Sem amigos, sem esposa, mal troca umas palavras com os colegas da repartição. É só aquele vai e vem, da casa para o trabalho, cinco vezes por semana, onze meses por ano. E o mês de férias? Oswaldo se trancafia trinta dias no apartamento. Que vida medíocre e sem expectativas!  Coitado do Oswaldo... Carece de saber que no mundo alguém se preocupa com ele. E calhou desse alguém ser eu. Amanhã, mal ou bem feito, postarei o pacote nos correios. Certamente, ele ficará exultante com o regalo.
***

Quarenta e quatro anos. Cerca de dezesseis mil e sessenta dias, fora os anos bissextos. Deixe-me fazer a conta exata. Um ano possui trezentos e sessenta e cinco dias e oito horas. A cada quatro anos, um dia. Salvo engano, onze dias extras. Dezesseis mil e setenta e um dias! E o de hoje é o do meu aniversário. Isto é o que importa. Mas como os correios estão demorando! Postei a encomenda antes de ontem e até agora nada! Os serviços dos correios já foram mais elogiáveis. Será que eu errei o endereço? Não... Não cometeria tamanha estupidez. Conferi o CEP? Deixe de bobagem, Oswaldo. Você sabe muito bem qual é o CEP! A campainha! Certamente é o porteiro Jorge com o meu presente! Espero que o pacote mal feito tenha resistido afinal, sou um desajeitado em habilidades manuais. Feliz aniversário, Oswaldo! Quarenta e quatro primaveras! Dezesseis mil e setenta e um dias! Vai ter bolo? Feliz aniversário para mim! Feliz aniversário, pobre, patética e solitária criatura...

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Zulmar Lopes
Carioca, jornalista, contista e aspirante a romancista, Zulmar Lopes tem um punhado de prêmios literários, a maioria de nenhuma importância. Membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (ACL). Roteirista do curta de animação “Chapeuzinho Adolescente”. Em 2011 lançou o livro de contos “O Cheiro da Carne Queimada”. Finalmente concluiu o maldito romance cujo pano de fundo é o carnaval carioca e está na expectativa de que alguma editora incauta se atreva a publicá-lo.
todo dia 21


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