As férias de verão são o grande momento do ano para se ler aquele clássico que nos espera há anos ou aquele lançamento recente que sabemos que nos exigirá uma tranquilidade que só nesse período podemos, como adultos, sonhar.
Alberto Manguel diz que no verão, também, somos
mais indulgentes, menos atentos e, enquanto no inverno seríamos implacáveis com um livro que começa com "Jacques Saunière, o famoso restaurador, caminhava com dificuldade pelos corredores do Museu do Louvre", abobados pelo calor e contentes, continuamos lendo, letárgicos demais para nos fixarmos nos assombrosos erros gramaticais e nas imbecilidades da história.
A ideia do verão como momento ideal para a alta literatura, infelizmente, não é perfeitamente aplicável ao hemisfério sul, desafio que aqueles que negaram as antigas teorias de determinismo geográfico não ousaram enfrentar. Estando no Rio há uma semana, já tendo enfrentado uma sensação térmica de 55 graus e aproveitando que, neste exato momento, o termômetro indica "apenas" 34 graus, sinto-me igualmente abobado e letárgico, mas resisto sem qualquer esforço a conspirações vaticanas, que até caem razoavelmente bem na sala de cinema (devidamente refrigerada) mas não disputam meu angustiante pouco tempo disponível para a literatura.
Sempre dediquei meus meses de janeiro e fevereiro - infelizmente, hoje não mais sinônimos de férias - a clássicos, brasileiros ou não. Nesta semana, terminando o muito bom Hereges, de Leonardo Padura (fica para a coluna de fevereiro), descubro que nem um cubano parece suportar o verão caribenho - todos os personagens transpiram na Havana de julho.
Alfred Lansing, em seu Endurance: a incrível viagem de Shackleton - na adolescência lia muitos livros sobre o assunto nas férias de verão... - conta que o grande navegador, ao montar sua tripulação para a viagem ao pólo sul, contratou uma pessoa por uma única razão: o sujeito acabara de participar de uma expedição ao Sudão...
O calor de fato nos amolece os miolos e abriu as vogais, diz Hélder Macedo. Se você está em busca de escapismo, ao menos climático, aproveite o recém lançado Chálamov, que nos Contos de Kolimá nos apresenta o início de ano siberiano:
Mesmo sem termômetro, os prisioneiros antigos mediam o frio quase com exatidão: se há nevoeiro gelado, na rua faz 40 graus abaixo de zero; se o ar da respiração sai com ruído, mas ainda não é difícil respirar, então 45 graus; se a respiração fica barulhenta e visivelmente ofegante, 50 graus. Abaixo de 55 graus, o cuspe congela no ar. O cuspe congelava no ar há duas semanas.
Assim, um brinde às férias, para quem as tem, e ao verão, para quem o suporta; aos leitores, resta intensificar o culto ao maior nome da ciência de todos os tempos, o orgulho da espécie - Willis Carrier, inventor do ar condicionado moderno e responsável pela sobrevivência da civilização ocidental "tal-como-a-conhecemos" nos trópicos.
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