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domingo, 10 de janeiro de 2016

Da Realidade Virtual a Realidades Paralelas


A minha primeira experiência de realidade virtual. Foi empolgante e, ao mesmo tempo, um pouco assustadora.
Quase simultaneamente era divulgada a notícia de que Mark Zuckerberg havia lançado a pré-venda de seus óculos de RV e, hoje, no The Guardian, há uma análise sobre as tendências e os riscos desta nova tecnologia, sendo um deles uma alteração radical da nossa cognição.

Todo salto tecnológico implica em uma série de transformações no modo como nos relacionamos com o mundo. Desde o advento do cinema, as pessoas têm gradualmente passado a interpretar a realidade mediadas por uma tela. A TV, o VHS, o computador pessoal e, enfim, os smartphones são uma trilha bastante clara que tem nos conduzido de uma vida comunal real para uma vida virtual compartilhada.
Conversamos com pessoas do outro lado do mundo, mas mal olhamos nos olhos de quem está do nosso lado no ônibus.


Ontem, eu e minha esposa, com o auxílio do nosso Google Cardboard, voltamos às ruas de Manhattan, olhamos as pirâmides de Gizé, acompanhamos a trajetória de refugiados sírios e estivemos nos cenários do Guerra nas Estrelas. Estivemos lá, ou melhor, quase estivemos lá.
Como ocorre com qualquer nova tecnologia, tudo é ainda muito desengonçado e cheio de arestas. É um pouco nauseante e desorientador. Não substitui a experiência real e concreta. Ainda há pouco conteúdo disponível.
Entretanto, com a entrada de gigantes como o Facebook, o Google e as grandes fabricantes de consoles de videogames nesta corrida, é bastante provável que esta experiência se torne cada vez mais próxima do real.

Em um artigo de 1981, o filósofo da linguagem Hilary Putnam propôs o seguinte: que todos nós fôssemos cérebros num recipiente (brains in a vat), imerso em nutrientes que os mantivessem vivos e recebendo estímulos elétricos de um supercomputador que (re)criasse em nossas mentes toda a realidade que vivenciamos(*).
Portanto, toda a vez que o computador enviasse a imagem de uma árvore aos nossos cérebros, nós pensaríamos em uma árvore, mesmo que nunca houvéssemos visto uma árvore de fato antes na existência de nossos cérebros, principalmente porque não teríamos olhos nem qualquer outro órgão sensorial.
Todas as informações que acumularíamos seriam apenas impulsos elétricos. E não haveria como ter certeza alguma se éramos pessoas reais ou apenas cérebros em recipientes.
Se você se lembrou do filme Matrix, acertou em cheio, pois é mais ou menos esta a ideia.


Então façamos nós mesmos o nosso próprio experimento mental de ficção científica.
Imaginemos que, em algum momento no futuro, a realidade virtual se tornou amplamente disseminada e que todos os humanos têm acesso a ela e a usam com maior regularidade do que utilizamos os telefones celulares hoje.
Do mesmo modo que muitos de nós têm dificuldades para distinguir relacionamentos reais de virtuais - nossos amigos virtuais podem ser até mais próximos de nós do que muitos colegas da vida real -, não seria possível que estes humanos do futuro tenham dificuldade para distinguir entre o que é real e virtual?
Alguém que só tenha visitado Paris virtualmente não consideraria a Paris virtual tão real quanto a Paris real?
Ou até mais do que isto: de que a visita a Paris real é prescindível porque já se conhece a Paris virtual e a vivência é tão completa (tal pessoa supõe) que a exime de pegar um voo de muitas horas somente para conhecer aquilo que já se conhece?
E indo ainda além: que todos os nossos relacionamentos, mesmo com pessoas que vivem sob o mesmo teto, ocorrerão no mundo virtual, posto que tudo e todos podem ser encontrados lá?

Hoje, ainda é uma experiência completamente alienante e isoladora. Quem usa o óculos perde-se num universo que apenas ele tem acesso, vetada a quem está de fora.
Mas, se porventura isto viesse a se tornar uma experiência compartilhada (o que deve ser o rumo provável), o mundo real se tornará obsoleto?

Viveremos todos numa realidade paralela, onde o virtual é o real, e onde o real não mais existirá?

Enfim, teremos finalmente nos tornado cérebros num recipiente.

(*) O artigo de Putnam trata-se de uma refutação desta hipótese, num argumento contra o ceticismo, mas não abordaremos aqui os detalhes desta argumentação.

Fonte das imagens:
https://www.flickr.com/photos/caseorganic/3493601806/sizes/o/
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/95/Assembled_Google_Cardboard_VR_mount.jpg
https://www.flickr.com/photos/suzsuper/16267363970/sizes/c/

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