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sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

A pior poesia

Ela não é feita de pilheries
ou deformidades acetinadas,
não conta o amor perdido
nem a culpa dos calados,
ela arremata a pacificidade teórica
com suas crises inafiançáveis

essa poesia
é feita de excremento materno
e cheira a esgoto de útero

entra pela porta escancarada da vida
tumultuando o lar
confortavelmente imundo

ela não tem o valor iluminista
e não é digna de salientar as desintegrações
dos lunáticos,
despenca pelo fetichismo
agredindo a castidade

essa poesia
não é um sussurro apaixonado
na excessiva submersão,
não canta a fatalidade
das perfídias
nos contornos de alguma epifania

a pior poesia medra
onde começa essa coisa desasseada
que cerca a consciência dos trapos
na qual o cadáver se enfia

essa insurgência poética
tortura
as irrevogáveis características humanas
numa subjetiva abundância
de se viver o delírio

o tema dessa poesia
beira o vergonhoso,
é a inadequação ao matrimônio,
é uma intrépida agressão
ao que é bem visto
e amima o populismo

essa poesia é imune
à comercialização dos afetos,
autêntico grito
curvado numa foice,
é a indefinição perturbada
do estímulo,
um vigoroso desacatado
para acabar em nada

essa poesia é um desgarro
imprecado na secura,
desleixo libertário
para a degradação dos gêneros
e conceitual para o diálogo
das retroativas chagas

antes fosse
mais uma resiliência
galgando pelo coração,
mas essa escrita é maldística
pra quem fulgura no lombo
a esmaecida marcação dos surtos

os insalubres pássaros
voejam em cinismo
nesse horizonte sem janelas

o desprezo nutre as valas
da pior poesia
feito um cemitério de indignos
testemunhando o esquecimento

seu maior feito
foi sintetizar o extraordinário
na insubordinação de uma cria
que danou o mundo
por portar na gênese
a fraqueza dos astros

essa poesia é o prosaísmo onírico,
foi desconjurada pela depressão
de suas hipóteses irrelevantes

ela é a insaciável vontade
de engolir os deuses
na autópsia da análise

seus medos
impõe à impubescência
o calejar medonho
das mãos solitárias

essa poesia é insensível,
insensata e insidiosa,
sua máscara infame
é a materialização do mofo

seu quebranto
é a súplica esquartejada
pelos tolos que se ardem
nos cultos à neofobia

essa amotinada poesia
é um sol de punho cerrado
cegando a ladainha conservadora
portada no recato
da antimatéria

e assim,
múltipla e esquelética,
se faz luminescência
por desembruscar o vórtice
em sua primaveril aversão.



Imagem: Francisco de Holanda - De Aetatibus Mundi Imagines (Chaos and the creation of Light), circa 1545-1573

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Bruno Bossolan
Nasci em 25 de junho de 1988 e resido em Capivari, interior de SP. Sou Cronista e Redator do Jornal O Semanário. [www.osemanario.com.br] Autor dos Livros: N(ó)stálgico (Poesias, 2011 - Paco Editorial) - Barbáriderna (Poesias, 2012 - Editora Penalux), com participação também em mais de 10 antologias poéticas. Autor da Peça Teatral “Destroços do Martírio” (apresentada no Mapa Cultural de SP na cidade de Porto Feliz – 2008/2009).
todo dia 01


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