Senta, fica em
silêncio. Não vale rir nem fazer gozação. Vou contar uma história que aconteceu
comigo.
Eu era pequena, devia
ter nem três anos. Tinha ido a um pequeno mercado do bairro onde morávamos e estava
acompanhando três gerações de mulheres da minha família: minha mãe, minha avó e
minha bisavó. Elas haviam ido comprar coisinhas que faltavam em casa, um leite,
pãezinhos, e pouco mais que isso. Distraíram-se olhando as mercadorias, vendo
preço, conversando entre si. Perderam a atenção em mim e eu fiquei solta, sem
mão nenhuma a me controlar.
Não sei a cena exata, é
claro que dela não tenho memória, o que sei é o que lembro do que a minha mãe
falou. Por isso não sei como foi, sei apenas que a minha bisavó é quem de
repente deu uma cotovelada em minha mãe e falou Olha lá, olha lá ela!,
apontando pra um homem que caminhava rumo à saída do mercado e me carregava no
colo. Minha mãe e minha avó gritaram e saíram correndo na direção do homem.
Minha filha! Minha neta! Minha filha, minha neta e chamaram a atenção da loja
toda com a gritaria.
O homem podia ter saído
correndo, claro que podia. Mas por alguma razão ele teve medo. Abaixou a cabeça
e começou a tentar se explicar, dizendo que não sabia, tinha encontrado a
menina solta, pensou que estivesse perdida, sem ninguém.
É minha filha, devolve
ela! Claro, claro, o homem foi falando e me pondo ao chão. Não sei por que eu
não chorei no colo do homem enquanto ele me carregava. Não tenho a menor ideia
e esse silêncio me pesa até hoje, em noites violáceas e frias. Minha
conivência, minha traição. Nunca consegui uma resposta e tampouco quis formular
a pergunta à minha mãe. Pra que fazê-la se culpar mais, se ela já sentia o peso
da mão solta?
O homem era um cigano.
Vestido de cigano.
Não sei a cor da roupa
que ele usava, mas sempre o imagino com calças vermelhas de um cetim brilhante.
Pelos pretos no peito e cabelos também bem escuros e cacheados. A pele
amorenada igual à minha. Ele quase me levou.
Sei que depois de ouvir
essa narrativa você vai soltar um E? com cara interrogativa de quem espera a
continuação. Mas não tem nada depois, mais nada. A não ser a sensação de que,
se eu tivesse sido levada, não estaria aqui, nem seria eu. Essa história, boba
e incompleta, me persegue e assombra. Quem eu seria hoje se ele me tivesse
levado? Onde estaria?
Nunca vou saber e é
inútil perguntar, mas nem assim consigo me livrar das interrogações e do desejo
de imaginar-me sempre vivendo outras vidas.
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