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sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Uma história, apenas uma história



        Senta, fica em silêncio. Não vale rir nem fazer gozação. Vou contar uma história que aconteceu comigo.
        Eu era pequena, devia ter nem três anos. Tinha ido a um pequeno mercado do bairro onde morávamos e estava acompanhando três gerações de mulheres da minha família: minha mãe, minha avó e minha bisavó. Elas haviam ido comprar coisinhas que faltavam em casa, um leite, pãezinhos, e pouco mais que isso. Distraíram-se olhando as mercadorias, vendo preço, conversando entre si. Perderam a atenção em mim e eu fiquei solta, sem mão nenhuma a me controlar.
        Não sei a cena exata, é claro que dela não tenho memória, o que sei é o que lembro do que a minha mãe falou. Por isso não sei como foi, sei apenas que a minha bisavó é quem de repente deu uma cotovelada em minha mãe e falou Olha lá, olha lá ela!, apontando pra um homem que caminhava rumo à saída do mercado e me carregava no colo. Minha mãe e minha avó gritaram e saíram correndo na direção do homem. Minha filha! Minha neta! Minha filha, minha neta e chamaram a atenção da loja toda com a gritaria.
       O homem podia ter saído correndo, claro que podia. Mas por alguma razão ele teve medo. Abaixou a cabeça e começou a tentar se explicar, dizendo que não sabia, tinha encontrado a menina solta, pensou que estivesse perdida, sem ninguém.
      É minha filha, devolve ela! Claro, claro, o homem foi falando e me pondo ao chão. Não sei por que eu não chorei no colo do homem enquanto ele me carregava. Não tenho a menor ideia e esse silêncio me pesa até hoje, em noites violáceas e frias. Minha conivência, minha traição. Nunca consegui uma resposta e tampouco quis formular a pergunta à minha mãe. Pra que fazê-la se culpar mais, se ela já sentia o peso da mão solta?
      O homem era um cigano.
      Vestido de cigano.
       Não sei a cor da roupa que ele usava, mas sempre o imagino com calças vermelhas de um cetim brilhante. Pelos pretos no peito e cabelos também bem escuros e cacheados. A pele amorenada igual à minha. Ele quase me levou.
       Sei que depois de ouvir essa narrativa você vai soltar um E? com cara interrogativa de quem espera a continuação. Mas não tem nada depois, mais nada. A não ser a sensação de que, se eu tivesse sido levada, não estaria aqui, nem seria eu. Essa história, boba e incompleta, me persegue e assombra. Quem eu seria hoje se ele me tivesse levado? Onde estaria?

        Nunca vou saber e é inútil perguntar, mas nem assim consigo me livrar das interrogações e do desejo de imaginar-me sempre vivendo outras vidas.

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