Era
uma manhã cheia de sol. Uma vaca pastava muito tranquila no prado.
Embora ninguém a visse sorrir, estava feliz por saborear as tenras
folhas do trevo e as flores e as vagens do tremoço. De repente, a
serena manhã da vaca foi agitada por um coelho que passou junto
dela, tão veloz como todos os coelhos que fogem aflitos dos cães
dos caçadores, e lhe gritou:
— Sai
da frente, vaca!
A
felicidade dela desapareceu nesse momento. Estava farta que lhe
chamassem vaca. É certo que tinha algum peso a mais, mas estarem
sempre a lembrar-lho... Até um insignificante coelho? Estava farta!
Nessa
tarde já pouco comeu. Nos dias seguintes, só comia os talos mais
rijos das ervas que lhe pareciam menos nutritivas. Para tentar
emagrecer. Durante muitos dias passou fome, mas obrigou-se a comer só
o que não a faria engordar.
Na
verdade, passadas umas semanas, a vaquinha tão rechonchuda de antes
não parecia uma vaca; mais parecia um esqueleto em pé, só pele e
cornos.
Um
dia passou por ali um burro que ficou muito admirado de ver uma vaca
tão mirrada. Perguntou-lhe:
— Estás
doente, vaca?
A
vaca começou a choramingar:
— Estou
tão infeliz por passar tanta fome e tu ainda me chamas vaca? Eu já
não sou vaca; sou até muito elegante!
— O
que dizes tu? — admirou-se o burro. — Tu és uma vaca; sempre
serás uma vaca, mesmo que não sejas gorda.
— Então,
não é a mesma coisa? — ripostou a vaca, muito convicta. — O ordinário de um coelho chamou-me vaca…
Tu não achas que ele me chamou… gorda?
— Claro
que não! Ele chamou-te… o teu nome, o nome que os homens te deram
— explicou o burro, instrutivo. — Comigo aconteceu uma história
parecida: vivia muito infeliz, porque me chamavam burro, e julgava
que me chamavam estúpido. Só mais tarde percebi que burro é o meu
nome, o nome que os homens me deram. A partir daí, nunca mais me
importei. Pois, se é o meu nome!
— Ah,
então é isso? Faz sentido! — convenceu-se a vaca. — Obrigada,
burro! Explicaste-te muito bem. Acho que não és nada “burro”.
— E
tu não és nada “vaca”. Estás até muito magra e isso não é
nada saudável. Vê se comes melhor, para voltares a ser uma vaca
bonita.
Quando
o burro se afastou, a vaca mastigava um grande ramo de trevos
suculentos, mas ainda conseguiu fazer um “muuuu!” de
agradecimento e despedida.
Joaquim
Bispo
*
* *
2 comentários:
Você sempre me surpreende. De repente, eis que surge esta fábula. Que metaforicamente me remeteu a muitas coisas. Umas engraçadas. Outras nem tanto. E a umas reflexões meio desorientadas. A gente é o que é ou a gente é o que nos definem os outros? A gente faz o que os outros nos levam a fazer, de uma forma ou de outra? Ou a gente precisa dos outros para enxergar a realidade? Tantas coisas... Gostei muito.
Tantas reflexões, Cinthia, sugerem que este pequeno conto pretensamente infantil transmite mais do que o autor pretendeu. Ainda bem. Abraço!
Postar um comentário