Anda, como todas as plantas da casa, meio murcha, negando verde, desistindo de esticar folhas e caule. É claro que falta sol. Mesmo quando as peças se amarelam e esquentam porque é dia leve lá fora, é sem nuvens e é de algum vento capaz de sacudir as cortinas e as energias viciadas e encalhadas nos cantos dos cômodos, falta sol. Está, como todas as plantas da casa, ressequida, com a pele quebradiça e boa parte do corpo dando defeito. O blusão colorido e o batom vinho para sempre na boca não dão mais jeito. Não disfarçam. Não distraem. Não aliviam. Deve ser o frio.
Deve ser. O frio. Assemelha-se, e não vagamente, aos peixes que tentou criar sem sucesso anos atrás. Queria os dourados, barrigudos, de olhos arregalados, circulando no aquário ao redor da folhagem plástica e do termostato, mas também acolhia os que se reproduziam rápido, os que faziam faxina entre as pedras e os que tinham nadadeiras longas. Criar peixes é uma agonia. E um exercício filosófico constante. Perdeu um a um até entender que não há paz possível em se brincar de Deus. Parece que aprendeu os comportamentos dos bichos e agora os repete, todos ao mesmo tempo: nada sem rumo e não vai a lugar nenhum, come o que cai na frente da cara, sofre das doenças de inverno – inevitáveis os pontos brancos – e sobe à superfície para se encher de ar quando o ambiente fica insuportável. E isso é tudo. Vai resistindo conforme oscila a temperatura. O frio, deve ser.
Tem, e não por preguiça, um sono que só aumenta e a pega de segunda a segunda, à noite, pela madrugada, e por último também nos intervalos da rotina. É chegar em casa que os ombros pesam, o barulho do apartamento vizinho espeta os ouvidos e qualquer assento chama. Não precisa ser cama com edredom, o sofá é suficiente e abraça seu metro e meio todinho. Vale cadeira, vale banco de ônibus, valem as costas apoiadas na parede e até os olhos abertos. É prestar atenção para ver que o corpo permanece, mas a vida voou dali sabe-se lá para onde. O bom é que volta. A vida volta contrariada, mas volta. Deve ser só o frio.
Ouviu mais cedo, e não por escolha, que em tanto tempo de profissão aquela voz vestida de jaleco com flores bordadas na gola jamais viu quem se recuperasse de um 10 F32, som de alegria insistente e velha entrando pelas orelhas blá, blá, blá, não fazia sentido, como não faz sua garganta ardendo e seus pés gelados, apesar de duas meias soquete sobrepostas. Mais cedo chovia e era cinza por todos os lados, na mesma medida fora e dentro, e ela pensou que estava em casa, que tinha enfim compreendido, que tudo em si combinava com tudo ao redor, que havia sintonia e coerência entre a rua molhada, glacial, e os seus cabelos pingando água do céu, e, bem, era bonito aquilo tudo assim: o passo cabendo na calçada e o sentido, de repente, da possibilidade de rédea na mão outra vez. Mas não. Certezas ditas dentro de salas iluminadas e aquecidas artificialmente são de uma convicção desoladora. Talvez não haja cura para ela. Deve ser, mesmo, o frio.
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