Dicotomia
Pedro adorava livros.
Lê bastante, filho, pra se tornar alguém na vida, dizia-lhe a avó.
Ler não enche barriga nem constrói casa. Larga disso, menino, repreendia-lhe a mãe. Pedro já não se importava; a vida havia sido dura com ela.
Não deixava de ler, mesmo tendo que cuidar do irmãozinho. Era-lhe como um pai, ainda que desconhecesse essa figura.
Certo dia, Pedro falou que precisava ir à biblioteca.
Não vai, menino.
Palavra de mãe…
A polícia desconfiou do volume que carregava em suas mãos.
A foto de Pedro saiu no jornal. Havia se tornado alguém.
* * * * *
Ato
reflexo
Parado na fila há quase uma hora, olhava para os lados, impaciente.
De súbito, um brilho ofuscou seus olhos. Era o coldre metálico de uma arma ainda não sacada.
Saiu da fila se esquivando, mas uma senhora o indagava, aflita, chamando a atenção de todos.
Ignorou-a, mas o bandido o seguiu com os olhos, interessado em sua maleta.
Percebeu a aproximação do sujeito, então correu.
Ouviu tiros.
Seguiu por várias ruas até achar que estava seguro e parou, ofegante e cansado. Julgou-se sortudo. Sob o sol, percebeu algo estranho: sua sombra não refletia no chão.
* * * * *
Subserviência
Naquela noite leu, avidamente, “A desobediência civil”.
Releu-o por mais algumas vezes, e os pensamentos, antes anuviados, começavam a se concretizar com força.
A cada nova virada de página, as anotações iam surgindo pelas bordas, até não mais sobrar espaço; algumas, inclusive, se sobrepunham às anteriores, formando um emaranhado que nem mesmo ele seria capaz de desvendar depois.
Traçava paralelos entre o texto americano do século passado e a atual vida política de seu país; a revolta tomava-lhe os sentidos; o calor emanava pelos poros – era preciso fazer algo.
Lembrou-se, porém, de que já não era mais aquele jovem com ideias revolucionárias que lutara por questões sociais durante mais de uma década.
Agora
deputado, os ideais estavam partidos.
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