Na minha rua tem um beco transversal e sem saída.
Tenho medo do beco.
Nunca passo perto dele à noite. Sempre atravesso para o outro lado.
Ele é escuro, sem poste, sem lampião. Um breu.
Eu sei: ali moram monstros, medusas, zumbis, crianças vomitando ectoplasmas,
caixões semiabertos exalando fogo-fátuo, carrascos com touca de banho,
torturadores sorridentes, bruxas cozinhando ensopado de esquartejados,
lobos cegos, diabos de smoking e patas de cabra, anjos caídos disfarçados
em arbustos secos, restos eretos de castração, pelotões de baratas cascudas
com ferrão nas antenas, esquadrilhas de morcegos sanguinários, ninhos de metralhadora,
a doida de olhos furados, a velha nua de cabelos de Rapunzel e vagina grisalha,
bodes de chifres incandescentes, unicórnios com pés de rapina,
imensos coelhos esquálidos, galinhas depenadas chocando cabeças decepadas,
cascavéis do tamanho de sucuris, crocodilos do Nilo e cocô de cachorro.
Quando passo perto do beco à luz do dia, até considero não mudar de calçada.
Mas não arrisco olhar para dentro dele, não.
Aperto o passo de olhos trancados. Vai que só tem o cocô de cachorro.
Tenho medo de me decepcionar.
domingo, 20 de setembro de 2015
O BECO
por José Guilherme Vereza
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