Franz Kafka
Trad.: Henry Alfred Bugalho
Na última década, o interesse em artistas da fome decaiu consideravelmente. Embora antigamente podia-se ganhar um bom dinheiro realizando grandes produções deste tipo sob sua própria gestão, atualmente isto é totalmente impossível. Aqueles eram tempos diferentes. Antigamente, o artista da fome capturava a atenção da cidade inteira. Dia após dia, enquanto durava o jejum, a participação aumentava. Todos queriam ver o artista da fome pelo menos uma vez ao dia. Durante os últimos dias, havia pessoas com ingressos que se sentavam durante o dia inteiro diante da pequena jaula com barras. E havia até horas de exibição à noite, com seu impacto aumentado por luz de tocha. Em dias bons, a jaula era arrastada para fora, para o ar livre, então o artista da fome era posto em exibição particularmente para as crianças. Ainda que para os adultos o artista da fome fosse frequentemente uma divertimento, algo em que eles participavam porque era uma moda, as crianças observavam deslumbradas, com as bocas abertas, segurando as mãos umas das outras por precaução, enquanto ele se sentava ali sobre palha espalhada — desdenhando uma cadeira — em collants pretos, com aparência pálida, com suas costelas proeminentemente pontiagudas, às vezes aquiescendo educadamente, respondendo perguntas com um sorriso forçado, até mesmo esticando seu braço através das barras para deixar que as pessoas sentissem quão emaciado ele estava, mas, depois, mergulhando de novo completamente em si, de modo que ele não prestava atenção a nada, nem mesmo ao que era importante para ele, o soar do relógio, mas meramente olhando para a frente de si com seus olhos quase cerrados e, de vez em quando, bebericando de um copinho de água para umedecer seus lábios.
Além dos cambiantes grupos de espectadores, havia também observadores constantes escolhidos pelo público — estranhamente eles geralmente eram açougueiros — que, sempre em três por vez, recebiam a tarefa de observar o artista da fome dia e noite, para que ele não obtivesse nada de comer de algum modo secreto. Contudo, era mera formalidade, introduzida para tranquilizar as massas, pois aqueles que compreendiam bem o suficiente que durante o período de jejum o artista da fome nunca, sob qualquer circunstância, teria comido a menor das coisas, nem mesmo se fosse obrigado. A honra de sua arte o proibia. Naturalmente, nenhum dos espectadores compreendia isto. Às vezes, havia grupos noturnos de observadores que conduziam sua vigília de maneira bastante relaxada, deliberadamente sentando-se juntos em um canto distante e depositando toda sua atenção nas cartas, claramente com a intenção de dar ao artista da fome um pouco de refresco, que, de acordo com o modo de pensar deles, ele poderia obter de algum suprimento secreto. Nada era mais excruciante para o artista da fome do que tais observadores. Eles o deprimiam. Eles faziam com que seu jejum ficasse terrivelmente difícil. Às vezes, ele superava sua fraqueza e cantava durante o tempo que eles estavam observando, até quando pudesse aguentar, para mostrar às pessoas quão injustas eram as suspeitas delas em relação a ele. Mas isto pouco ajudava. Pois, então, eles se indagavam entre si sobre a habilidade de ele conseguir comer mesmo enquanto cantava. Ele preferia os observadores que se sentavam bem perto das barras e, não satisfeitos com a fraca iluminação do ambiente, iluminavam-no com lanternas elétricas que o empresário lhes disponibilizava. A luz brilhante não o incomodava nem um pouco. Geralmente, ele sequer conseguia dormir, e ele podia sempre cochilar um pouco sob qualquer iluminação e em qualquer hora, mesmo em um auditório lotado e ruidoso. Para tais observadores, ele estava bastante preparado para passar com contentamento a noite inteira sem dormir. Ele estava pronto para contar piada com eles, para relatar histórias de sua vida nomádica e, então, ouvir de volta as histórias deles — fazendo de tudo apenas para mantê-los acordados, para que ele pudesse continuar exibindo-lhes novamente que ele não tinha nada para comer em sua jaula e que ele jejuava como nenhum deles conseguiria. Entretanto, ele ficava mais feliz quando a manhã raiava e um suntuoso café-da-manhã era trazido para eles por sua conta, sobre os quais eles se lançavam com o apetite de homens saudáveis após uma noite de trabalho sem sono. É verdade que ainda havia pessoas que queriam enxergar neste café-da-manhã um meio desonesto para influenciar os observadores, mas isto estava indo longe demais, e se elas fossem indagadas se queriam assumir o turno noturno dos observadores por conta própria, sem o café-da-manhã, elas se escusavam. Mas, mesmo assim, elas continuavam suspeitosas.
Contudo, em geral, fazia parte do jejum que estas dúvidas estivesse intrinsecamente associadas a ele. Pois, na verdade, ninguém estava em condições de gastar seu tempo observando o artista da fome todos os dias e noites sem interrupção, então ninguém poderia saber, baseado em sua própria observação, se este era um caso verdadeiramente contínuo e impecável de jejum. Apenas o artista da fome poderia saber disto e, ao mesmo tempo, era o único espectador capaz de ficar completamente satisfeito com seu próprio jejum. Mas a razão porque ele nunca estava satisfeito era diferente. Talvez não fosse sequer o jejum que houvesse deixado-o tão emaciado para que muitas pessoas, por seu próprio remorso, se mantivessem afastadas de sua apresentação, porque elas não conseguiam suportar olhar para ele. Pois ele era esquelético por causa de insatisfação consigo próprio, porque somente ele sabia algo que até iniciados não sabiam — de quão fácil era jejuar. Isto era a coisa mais fácil do mundo. Ele não se silenciava quanto a isto, mas as pessoas não acreditavam nele. Na melhor das hipóteses, elas pensavam que ele estava sendo modesto. A maioria delas, contudo, acreditava que ele estava buscando publicidade ou era um vigarista completo, para quem, seja como for, jejuar era fácil porque ele compreendia como torná-lo fácil, então ainda tinha coragem de admitir isto parcialmente. Ele tinha de aceitar tudo isto. Com o passar dos anos, ele se acostumou a isto. Mas esta insatisfação continuava remoendo em suas entranhas todo o tempo e ele ainda nunca — e isto tinha de ser dito a seu crédito — havia deixado a jaula por sua vontade própria após qualquer período de jejum. O empresário havia estabelecido a duração máxima de tempo para o jejum de quarenta dias — ele nunca permitiria que o jejum ultrapassasse este ponto, nem mesmo em cidades cosmopolitas. E, na verdade, ele tinha uma boa razão. A experiência havia demonstrado que, por aproximadamente quarenta dias, podia-se paulatinamente gerar o interesse de uma cidade ao aumentar gradualmente a publicidade, mas depois o público voltava as costas — podia-se demonstrar uma queda significativa em popularidade. Em relação a isto, havia, é claro, pequenas diferenças entre diferentes cidades e entre diferentes países, mas, como uma regra, era verdade que quarenta dias era a duração máxima de tempo. Então, no quadragésimo dia, a porta da jaula — que era coberta com flores — era aberta, e uma plateia entusiasmada enchia o anfiteatro, uma banda marcial tocava, dois médicos entravam na jaula para poderem fazer as medições necessárias do artista da fome, os resultados eram anunciados para o auditório através de um megafone e, finalmente, duas jovens chegavam, felizes de terem sido selecionadas por sorteio, e procuravam ajudar o artista da fome a descer um par de degraus para fora da jaula, onde sobre uma pequena mesa uma refeição hospitalar cuidadosamente escolhida era posta. E, neste momento, o artista da fome sempre relutava. É claro, ele ainda descansava voluntariamente seus braços ossudos nas prestativas mãos estendidas das senhoritas inclinando-se sobre ele, mas ele não queria se levantar. Por que parar bem agora, após quarenta dias? Ele poderia ter prosseguido por ainda mais, por uma duração ilimitada de tempo. Por que parar bem agora, quando ele estava em sua melhor forma, sem ter atingido ainda sua melhor forma para jejuar? Por que as pessoas queriam roubar-lhe a fama de jejuar por mais tempo, não apenas para que ele se tornasse o maior artista da fome de todos os tempos, o que, na verdade, ele provavelmente já devia ser, mas também que ele pudesse superar-se a si mesmo de algum modo inimaginável, para que ele sentisse que não havia limites para a sua capacidade de jejuar. Por que esta multidão, que fingia admirá-lo tanto, tinha tão pouca paciência com ele? Se ele prosseguisse e jejuasse por mais tempo, por que eles não tolerariam? Então, ele também estava cansado e se sentia bem sentado na palha. Agora ele deveria se levantar ereto e alto e ir comer, algo que, quando ele meramente imaginava, fazia com que se sentisse imediatamente nauseado. Com grande dificuldade, ele reprimia mencionar isto apenas por consideração às mulheres. E ele olhava para cima nos olhos destas mulheres, aparentemente tão amigáveis, mas na realidade tão cruéis, e balançava sua cabeça excessivamente pesada sobre seu débil pescoço. Mas então aconteceu o que sempre acontecia. O empresário veio adiante sem dizer uma palavra — a música tornava a fala impossível — ergueu seus braços sobre o artista da fome, como se convidasse o céu para olhar para seu trabalho aqui na palha, seu desafortunado mártir (algo que o artista da fome certamente era, mas em um sentido completamente diferente), agarrou o artista da fome ao redor de sua fina cintura, desejando no processo que seu cuidado exagerado fizesse as pessoas acreditarem que ele tinha de lidar com algo frágil, e o entregou — não sem secretamente chacoalhá-lo um pouco, de modo que as pernas e o torso do artista da fome balançaram incontrolavelmente para a frente e para trás — às mulheres, que, naquele ínterim, haviam empalidecido como mortas. Até este momento, o artista da fome havia suportado tudo. Sua cabeça jazia sobre seu peito — era como se ela houvesse inexplicavelmente rolado e parado somente ali — seu corpo curvado para trás, suas pernas, em um impulso de autopreservação, estavam pressionadas juntas no joelho, mas se arrastavam no chão, como se elas não estivessem realmente no chão, mas buscassem pelo chão real, e todo o peso de seu corpo, evidentemente muito pouco, repousava contra uma das mulheres, que suplicava ofegante por ajuda, pois ela não havia imaginado que seu posto de honra seria como isto, então ela esticou seu pescoço o máximo possível, para manter o seu rosto afastado do menor contato com o artista da fome, mas, então, ela não conseguia fazer isto e sua companheira mais afortunada não vinha em seu auxílio, mas tremia e permanecia contente em segurar diante dela a mão do artista da fome, aquela pequena coleção de articulações, ela desatou a chorar, para o deleitoso riso do auditório, e teve de ser libertada por um atendente que estava de prontidão há algum tempo. Então veio a refeição. O empresário pôs um pouco de comida na boca do artista da fome, agora tonto como se estivesse desmaiando, e mantinha uma animada conversa destinada a desviar a atenção da condição do artista da fome. Então um brinde foi proposto ao público, que foi supostamente sussurrado para o empresário pelo artista da fome, a orquestra confirmou tudo com uma grande fanfarra, as pessoas se dispersaram, e ninguém tinha o direito de estar insatisfeito com o evento, ninguém excetuando o artista da fome — ele era sempre o único.
Ele vivia assim, tirando pequenos intervalos regulares, por muitos anos, aparentemente sob os holofotes, honrado pelo mundo, mas a despeito disto tudo, seu humor era geralmente sombrio, e continuava se tornando mais sombrio todo o tempo, porque ninguém compreendia como ele levava isto a sério. Mas como ele encontraria consolo? O que havia restado para ele desejar? E se um homem bondoso que sentisse pena dele quisesse explicar-lhe que esta tristeza provavelmente derivava de seu jejum, então poderia ocorrer, especialmente neste estágio avançado do jejum, que o artista da fome respondia com uma explosão de fúria e começava a chacoalhar a jaula como um animal, atemorizando todo mundo. Mas o empresário tinha um modo para punir momentos como este, algo que ele ficava feliz de usar. Ele pediria desculpa ao público reunido, em nome do artista da fome, reconhecendo que a irritabilidade havia sido provocada apenas pelo jejum dele, que pessoas bem alimentadas não compreendiam prontamente e que eram capazes de escusar o comportamento do artista da fome. A partir daí, ele passaria a falar sobre a afirmação igualmente difícil de entender de que o artista da fome podia continuar jejuando por muito mais tempo do que ele estava fazendo. Ele elogiaria o nobre esforço, a boa vontade e a grande autoabnegação inquestionavelmente contida nesta afirmação, mas então ele tentaria contradizer isto ao oferecer fotografias, que também estavam à venda, pois nas imagens era possível ver o artista da fome no quadragésimo dia de seu jejum, na cama, quase morto de exaustão. Embora o artista da fome estivesse muito familiarizado com esta perversão da verdade, ela abalava seus nervos todas as vezes e era demais para ele. O que era um resultado do fim prematuro do jejum, as pessoas agora propunham como sendo sua causa! Era impossível lutar contra esta falta de compreensão, contra este mundo de incompreensão. De boa-fé, ele ainda sempre ouvia avidamente o empresário nas barras de sua jaula, mas todas as vezes, assim que os fotógrafos partiam, ele se afastava das barras e, com um suspiro, afundava-se de novo na palha, e um público seguro voltava de novo e o via.
Quando aqueles que haviam testemunhado tais cenas pensavam de volta nelas alguns anos depois, frequentemente eles mesmos eram incapazes de compreender. Pois, neste ínterim, a mudança mencionada acima ocorreu. Isto aconteceu quase imediatamente. Talvez houvesse razões mais profundas para isto, mas quem se importava em descobrir quais eram? De qualquer modo, um dia o paparicado artista da fome se viu abandonado pela multidão de ansiosos por prazer, que preferia fluir para outras atrações. O empresário percorreu metade da Europa mais uma vez com ele para ver se conseguia redescobrir o velho interesse aqui e lá. Tudo isto era fútil. Era como se um acordo secreto contra apresentações de jejum houvesse sido realmente desenvolvido em algum lugar. Naturalmente, a verdade é que isto não poderia ter ocorrido tão rapidamente, e as pessoas mais tarde lembravam algumas coisas que, nos dias de sucesso embriagante, elas não haviam prestado atenção o suficiente, algumas indicações inadequadamente suprimidas, mas agora era tarde demais para fazer algo para contê-las. É claro, certamente a popularidade do jejum retornaria outra vez um dia, mas para aqueles vivos agora não havia consolo. O que o artista da fome faria agora? O homem cujo milhares de pessoas haviam ovacionado não conseguia se apresentar em cabines em pequenas feiras, e o artista da fome não apenas era velho demais para assumir uma profissão diferente, mas era fanaticamente devotado ao jejum mais do que a qualquer coisa. Então, ele disse adeus ao empresário, um incomparável companheiro em sua vida na estrada, e deixou-se contratar por um grande circo. Para poupar seus próprios sentimentos sensíveis, ele nem mesmo olhou os termos de seu contrato.
Um grande circo com sua enorme quantidade de homens, animais e acrobatas, que constantemente eram dispensados e substituídos, pode usar qualquer um em qualquer momento, mesmo um artista da fome, desde que, é claro, suas exigências fossem modestas. Além disto, neste caso em particular, não apenas o próprio artista da fome estava envolvido, mas também seu antigo e famoso nome. Na verdade, dada as características naturezas de sua arte, que não diminuía com a idade avançada, ninguém poderia nunca afirmar que um artista desgastado, que não mais estivesse no ápice de suas habilidades, desejava escapar para uma quieta posição no circo. Pelo contrário, o artista da fome declarava que ele podia jejuar tão bem quanto nos velhos tempos — uma afirmação que era inteiramente fiável. Na verdade, ele até afirmava que, se as pessoas o deixassem fazer o que ele quisesse — e isto lhe foi prometido sem reservas —, ele realmente agora fascinaria legitimamente o mundo pela primeira vez, uma afirmação que, no entanto, dado o humor da época, algo que o artista da fome facilmente ignorou, apenas trouxe sorrisos para os especialistas.
Essencialmente, contudo, o artista da fome também não havia esquecido do modo como as coisas realmente eram, e ele assumia como autoevidente que as pessoas não o poriam com sua jaula como uma atração principal no meio da arena, mas o moveriam para fora em algum outro ponto prontamente acessível perto das barracas dos animais. Enormes cartazes pintados com cores vivas cercavam a jaula e anunciavam o que havia ali para ser visto. Durante os intervalos na apresentação principal, quando o público geral empurrava-se em direção à coleção de animais para vê-los, as pessoas mal podiam evitar de passar perto do artista da fome e parar ali por um instante. Elas talvez tivessem ficado com ele por mais tempo se aqueles empurrando atrás na passagem estreita, que não compreendiam esta pausa no caminho para as barracas dos animais que eles queriam ver, não houvessem tornado impossível uma pacífica observação mais prolongada. Esta era também a razão porque o artista da fome começava a tremer antes destas horas de visitação, as quais ele naturalmente costumava ansiar como o principal propósito de sua vida. Nos primeiros dias, ele mal conseguia esperar pelas pausas nas apresentações. Ele aguardava com alegria pela multidão brotando ao redor dele, até que ele se convenceu rapidamente demais — e mesmo o teimoso, quase deliberado, autoengodo não conseguia resistir contra a experiência — que, julgando pela intenção delas, a maioria destas pessoas estava, uma e outra vez sem exceção, apenas visitando a coleção de animais. E esta visão de uma certa distância ainda permaneceu seu momento mais lindo. Pois quando elas vinham diretamente para ele, imediatamente ele recebeu uma saraivada de gritos e xingamentos de dois grupos que aumentavam constantemente, daqueles que queriam aproveitar seu tempo para dar uma olhada no artista da fome, não com entendimento, mas como um capricho ou por mero desafio — para ele, estes eram os mais dolorosos — e um segundo grupo de pessoas cuja única exigência era seguir diretamente para as barracas dos animais. Uma vez que as grandes multidões passavam, os retardatários chegavam, e embora não houvesse mais nada evitando tais pessoas de ficarem por ali quanto elas quisessem, elas apressavam-se com largas passadas, quase sem uma espiadela, para chegar a tempo nos animais. E era um golpe de sorte raríssimo quando o pai de uma família vinha com suas crianças, apontando seu dedo para o artista da fome, dando explicações detalhadas sobre o que estava acontecendo ali, e falava de anos passados, quando ele havia estado presente em apresentações semelhantes, mas incomparavelmente mais magníficas, então as crianças, como elas haviam sido inadequadamente preparadas na escola e na vida, sempre ficavam ao redor ainda que sem compreender. O que era o jejum para eles? Entretanto, o brilho no olhar de seus olhos inquiridores revelava algo dos novos e mais graciosos tempos que chegavam. Talvez, o artista da fome dizia para si mesmo às vezes, tudo fosse um pouco melhor se este local não ficasse tão perto das barracas dos animais. Assim, seria fácil para as pessoas fazerem sua escolha, sem contar o fato de que ele ficava muito incomodado e constantemente deprimido por causa do fedor das barracas, da comoção dos animais à noite, dos pedaços de carne crua carregados passando por ele para as feras carnívoras e os rugidos na hora da alimentação. Mas ele não ousou abordar a administração sobre isto. De qualquer modo, ele devia agradecer aos animais pelas multidões de visitantes, entre os quais, de vez em quando, havia alguém destinado para ele. E quem sabia onde eles o esconderiam se ele desejasse recordá-los de sua existência e, com isto, o fato de que, estritamente falando, ele era o único obstáculo a caminho da coleção de animais.
Um pequeno obstáculo, de qualquer modo, um obstáculo constantemente menor. As pessoas se acostumaram a pensar que era estranho naqueles tempos que elas quisessem prestar atenção ao artista da fome, e com esta consciência habitual o julgamento sobre ele era pronunciado. Ele poderia jejuar tão bem quanto podia — e ele o fez — mas nada poderia salvá-lo mais. As pessoas passavam direto por ele. Tente explicar a arte do jejum a alguém! Se alguém não senti-la, então não poderá compreendê-la. Os cartazes bonitos se tornaram sujos e ilegíveis. As pessoas os rasgaram e ninguém pensou em substituí-los. Uma pequena mesa com o número de dias que o jejum havia durado, que a princípio havia sido renovado cuidadosamente todos os dias, permaneceu inalterada por um longo tempo, pois após as primeiras semanas a equipe se cansou até mesmo desta pequena tarefa. E assim o artista da fome continuou jejuando e jejuando, assim como ele havia sonhado antigamente, e ele não tinha dificuldade alguma para atingir aquilo que havia previsto então, mas ninguém estava contando os dias — ninguém, nem mesmo o próprio artista da fome sabia quão grande era sua conquista neste ponto, e seu coração ficou pesado. E, quando ocasionalmente uma pessoa caminhando passava por ali troçando do antigo número e falando de um embuste, isto era em um sentido a mentira mais estúpida que a indiferença e a malícia inata poderiam inventar, pois o artista da fome não estava sendo enganador — ele estava trabalhando honestamente — mas o mundo o estava trapaceando como recompensa.
Muitos dias passaram outra vez, e este também chegou ao fim. Finalmente, a jaula despertou a atenção de um supervisor, e ele perguntou ao atendente por que eles haviam deixado esta jaula perfeitamente útil parada ali sem uso com palha apodrecendo dentro. Ninguém sabia, até que um homem, com a ajuda da mesa com o número nela, lembrou-se do artista da fome. Eles empurraram a palha ao redor com varas e encontraram o artista da fome ali.
— Você ainda está jejuando? — perguntou o supervisor. — Quando você vai finalmente parar?
—Perdoe-me por tudo — sussurrou o artista da fome. Apenas o supervisor, que estava apertando a orelha contra a jaula, o compreendeu.
— Certamente — disse o supervisor, batendo com seu dedo na testa para indicar à equipe o estado em que estava o artista da fome — nós perdoamos você.
— Sempre quis que você admirasse o meu jejum — disse o artista da fome.
— Mas nós admiramos — disse o supervisor amavelmente.
— Mas você não devia admirar — disse o artista da fome.
— Muito bem, então — disse o supervisor — mas por que não deveríamos admirar?
— Porque eu tenho de jejuar. Eu não posso fazer nada mais — disse o artista da fome.
— Olhe para si — disse o supervisor — por que você não consegue fazer mais nada?
— Porque — disse o artista da fome, erguendo sua cabeça um pouco e, com os lábios crispados como que para um beijo, falou direto para o ouvido do supervisor para que ele não perdesse nada — porque eu não consegui encontrar uma comida que tivesse um bom sabor para mim. Se houvesse encontrado isto, acredite em mim, eu não teria feito um espetáculo de mim mesmo e teria comido com todo o contentamento de meu coração, assim como você e qualquer outro.
Aquelas foram suas últimas palavras, mas em seus fraquejantes olhos havia a ainda firme, mesmo que não mais orgulhosa, convicção de que ele continuava a jejuar.
— Tudo bem, limpem isto agora — disse o supervisor. E eles enterraram o artista da fome junto com a palha. Mas em sua jaula eles puseram uma jovem pantera. Mesmo para uma pessoa com a mente mais banal era evidentemente agradável ver este animal selvagem rondando por sua jaula, que havia sido triste por tanto tempo. Ele carecia de nada. Sem ter de pensar muito sobre isto, os guardas trouxeram a comida que o animal desfrutava. Ele nunca pareceu sentir falta de sua liberdade. Este nobre corpo, equipado com todo o necessário, quase ao ponto de explodir, parecia até carregar consigo a liberdade ao redor. Isto parecia estar localizado em outro lugar ou em suas presas, e sua alegria de viver brotava com tamanha forte paixão de sua garganta que não era fácil para os espectadores continuarem observando. Mas eles se controlavam, continuavam se empurrando ao redor da jaula e não tinham vontade alguma de se mover.
Publicado na edição 44 da Revista SAMIZDAT
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