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sexta-feira, 22 de maio de 2015

Texto em dia

A quantidade de linhas não importa. Até que importa, porque, tu sabes, o espaço está sempre escasso e a gente fica correndo atrás de milímetro, de sangria, de borda, então dá um jeito de ajustar as coisas, nem muito nem pouco, só o necessário. O entrelinhamento é simples, o recuo é de um e meio na primeira linha, bloco justificado. Times New Roman 12, tudo preto. Depois empilha um parágrafo embaixo do outro e já era. Nem pensar em caixa alta. Qualquer grifo vai em negrito. Melhor: em itálico, mais discreto. O texto. Assim que se bota um texto em ordem. Não é? Cada palavra acomodada na sua fila, de mão com a da frente e a de trás, não briguem que é feio, gurias. Tem texto que funciona tão bem assim, no quadradinho e na regra. Coesão e coerência a gente doma na pontuação. E no corte. Argumento rebelde também se curva a um bom delete. Texto bom é texto lindo. Lido. Ido. Não o que emperra. De acordo? 

Que nem vida. Tem que botar em dia. Tem que. Existe receita ~caseira~ até para limpar o vidro temperado do box do banheiro, não vai ter para colocar vida no eixo? Claro que vai. Dois cliques e o Google já diz. Dá para sofisticar a busca: com ajuda especializada, consulta entre cem e trezentos reais, incluído desconto do convênio. Mas para quê, né, se tem sempre um primo do filho do amigo que gosta de conversar e pode fazer uma avaliação de graça do caso, na parceria. Do jeito que a gente vive, nem precisa estudar caso a caso, é tudo igual, a mesma bagunça, o mesmo padrão, o mesmo tarja preta. E os especialistas também andam tão perdidos, que. O jeito caseiro de solucionar problema não falha. É sabedoria popular acumulada, pode confiar.

Eu posso dar um toques, experiência própria. Desde que o conflito seja o seu com seu umbigo. Se entrar um terceiro ou quarto elemento na conversa não meto a minha colher. Meto. Óbvio que meto, mas sou capaz de cobrar pelo serviço. Enfim, quero ajudar, então lá vai: faz de conta que a vida é texto. Força a justificação, arranja um sinônimo para não repetir palavra, ninguém gosta de ouvir a mesma coisa mais de uma vez, exceto se a coisa for do ninguém. Evita ponto de exclamação, que é de uma breguice sem tamanho. Afirma, que é melhor. O mundo anda tão sem paciência para as dúvidas, as perguntas, os “e se”. Objetividade é um bom truque: quer comer pão branco com salame italiano, come. Quer alisar o cabelo, alisa. Andar de bicicleta à noite, vai. Nem todo texto requer explicação ou final. E a patrulha do corretor linguístico estará sempre de prontidão. Aqui mais ao Sul poucos suportam um tu misturado com você numa conversa informal feito essa. Se quiser desviar de chateação, conjugue classicamente. E se a tua onda for experimentar, deixa combinar a segunda pessoa com a terceira, o singular com o infinito, que tudo bem. 

Quem precisa alinhar todos os tapetes às portas do corredor do prédio, quem sufoca diante de paredes com quadros desnivelados, quem foge de ruídos contínuos para não entrar em colapso: seus adoradores de vírgulas, vocês têm salvação! Organização é ar. Vocês não estão doidos, seus conteúdos têm nexo e sentido e humanidade, só precisam respirar mais do que os demais.

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Andréia Alves Pires
Nasceu em Rio Grande, cidade ao sul do Rio Grande do Sul, é jornalista, mestre em história da literatura e autora do livro de contos De solas e asas. Integra o Coletivo Fita Amarela, colabora semanalmente com contos ao jornal Diário Popular e publica o que escreve, em primeira mão, no blog www.desolaseasas.blogspot.com.
todo dia 22


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