Uma das coisas que me
impressiona na velhice é a opacidade dos olhos.
Olhos sem brilho, não
mais ágeis nem especulativos, que traduzem a constatação de que não há mais
tempo e de que o tempo que se foi, foi.
Tenho convivido
bastante com eles nos últimos anos. Não falo dos meus olhos, pois eles brilham,
procuram, especulam, viram e reviram com tudo o que há por aí. E a velhice ainda demorará um pouquinho a
chegar para mim.
Falo dos parentes, dos
avós, dos pais.
Minha avó teve um olho
de vidro que brilhava mais que o outro. Ela o lavava e polia sob a torneira da
pia e − pasmem! – me deixava brincar com ele.
Os olhos de minha mãe
não brilham há décadas. Decerto preciso
fazer um parêntese aqui, pois sua velhice começou prematuramente, talvez na
minha idade, talvez antes, nem sei mais. Sei é que hoje, embora enxergue bem, eles
têm uma aparência leitosa, como uma via láctea sem estrelas, esperando apenas
para se fecharem de vez.
Já os olhos de meu tio ainda
brilham e brilharam sempre. Às vezes,
até demais. Sabe quando há situações em que deveríamos ocultar nossa
felicidade? Seja para consolar um parente em dificuldades, confortar um amigo
que se separou, despedir-se de alguém que já se foi? Pois, para ele, tristeza é
perda de tempo e velório é festa, reunião da “parentada” que nunca se vê. “Ôpa,
você por aqui? Tá bonito, rapaz...” Ele chega a esquecer o motivo pelo qual
está numa capela mortuária. É capaz de contar piada e perguntar se não tem salgadinho...
Quanto aos olhos de meu
pai, olhos que sempre brilharam embalados por sonhos, pela perspectiva de viagens
a Atlântida, a Pasárgada, a Xangrilá, pelo título de embaixador de causas
nobres que habitam em sua imaginação, além de não terem mais a superfície
cristalina, têm o cristalino nublado. Opaco.
Degeneração da mácula: está perdendo o pouco que lhe resta de visão.
Dizem que os olhos são
os espelhos da alma.
E, se realmente são, o
que alguns de nós fazemos com ela? Será
que a maltratamos tanto a ponto de não dever mais ser refletida?
Quer a resposta?
Eu também.
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