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terça-feira, 3 de março de 2015

Especulação em torno da dor feminina

Especulação em torno da dor feminina


Acredito que a dor do ser mulher
não se resume à decantada dor do parto,
nem ao vazio do abandono, na cela-quarto.

A dor de ser mulher não deve ser
somente a dor da despedida, os tristes ais,
do lenço branco do amado a acenar do cais.

A dor do ser mulher é ainda maior
que a da humilhação dos tapas no rosto
por aquele que do escolhido ocupa o posto.

A dor de ser mulher é mais que triste,
nem se confunde com encanto de sereia.
É angústia de mãe pelo rebento na cadeia.

A dor do ser mulher vai muito além
de sofrer pelo marido enfermo e insone,
ou ainda ver a prole padecer de fome.

A dor de ser mulher, de tão intensa,
transcende mesmo o febril desconforto
de arrumar o quarto de um filho morto.

A dor do ser mulher, inevitável,
paralisa o corpo, desnorteia a mente,
por sentir-se presa sabendo-se inocente.

A dor de ser mulher, absoluta,
corrói, silenciosa – incurável câncer –,
no diuturno esforço de fazer-se SER.

A dor do ser mulher é tudo isso
e muito mais: é cruel, atroz, inominada.
É querer mudar tudo, e poder quase nada.

A dor de ser mulher, provavelmente,
é tão só o sintoma de um pesar profundo:
ver o macho da espécie arruinar o mundo. 



Edelson Nagues




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Edelson Nagues
(nome literário de EDELSON RODRIGUES NASCIMENTO) é natural de Rondonópolis/MT e radicado em Brasília/DF. Estudou Direito e Filosofia, com pós-graduação em Língua Portuguesa. É poeta, escritor, revisor de textos e servidor público. Na década de 1980 e início da década seguinte, em seu estado de origem, atuou na área musical, como vocalista e principal letrista do Grupo Reciclagem, tendo participado de vários festivais universitários e de festivais regionais e nacionais da Caixa Econômica Federal, obtendo diversas premiações, inclusive como intérprete e letrista. Na época, funcionário da CEF, atuava como representante do então recém-criado Conjunto Cultural (hoje denominado Caixa Cultural) em Mato Grosso. Premiado e/ou selecionado para coletâneas em vários concursos literários, entre os quais se destacam: Concurso Nacional de Poesia “Adilson Reis dos Santos” (2012, Ponta Grossa/PR), XXXIII Concurso “Fellipe d’Oliveira” (2011, Santa Maria/RS), Prêmio Prefeitura de Niterói (2011), XXI Concurso Nacional de Contos “José Cândido de Carvalho” e XII FestiCampos de Poesia Falada (ambos em 2011, Campos dos Goytacazes/RJ), Concurso Novo Milênio de Literatura (Vila Velha/ES, 2010), IV Concurso Nacional de Contos do SESC-Amazonas (2010, Manaus/AM), VI Desafio dos Escritores (Brasília/DF, 2010), XL Concurso Literário “Escriba” (Piracicaba/SP, 2009). É autor dos livros Humanos (coletânea de contos premiados) e Águas de Clausura (de poesia, vencedor do X Prêmio Livraria Asabeça), ambos publicados pela Scortecci Editora. É membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (de Cachoeiro de Itapemirim/ES) e mantém (ou tenta manter) o blog pessoal www.senaoescrevodoi.blogspot.com.
todo dia 03


5 comentários:

Obrigada pelo inteiro que nos cabe de tantas verdades. Uma reflexão feminina, vinda do mundo masculino. É para poucos homens escrever algo assim. Só para os atentos e sensíveis. Muito bom!

Este comentário foi removido pelo autor.

É um "mea culpa" necessário, Cinthia. Obrigado pela leitura e pelo comentário. Abraço.

Você extrapolou nesse poema. Nem falo do talento e competência que sempre sobra em você, falo da sensibilidade, da compreensão, do conhecimento profundo da alma feminina, tudo contido nesses magníficos versos. Parabéns, amigo!

Mto obrigado, Cecilia. Vc é que acaba extrapolando em seus elogios. Mas eu te perdoo (rsss). Talvez essa compreensão da alma feminina venha do fato de eu ter nada menos do que sete irmãs. São mtas mulheres na vida de um só homem... (rsss).
Grande abraço.

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