Ao
som de Yann Tiersen: “La noyée”.
NO
INTERVALO, ENQUANTO todos se reclinavam aos ouvidos uns dos outros em
constantes comentários sobre as apresentações, aproveitou, puxou-a a si, e
deu-lhe o último beijo. Os dois lábios como rios em chamas. Em suas mentes
apenas o gosto doce das bocas ardentes, a grande lona ao fundo, como céu,
iluminava seus rostos unidos e aquele malestar no peito, coração a
mil...
Pai dela na terceira fila, bigode
comprido, barba por fazer, defensor dos clitóris familiares, olhar ameaçador,
família dominante na cidade, tratou de providenciar seu afogamento no
espetáculo seguinte enquanto o respeitável público dava urras de frenesi no
show do mágico.
Por
um instante enquanto seus olhos abertos viam o fundo do riacho que ladeava a
grande lona, pensou que a tinha ali também ao seu lado. E a ida, cuja imagem
terrível ele tinha pintado antes como um quadro de Bosch, foi tão tranquila
quanto sua chegada. Relaxou os músculos que se debatiam na água. Os jagunços
olhando e rindo como animais sem razão. Desceu até o leito do rio e se
incrustou na pedra, âmbar, fóssil, no para sempre.
Dia
seguinte pairava a moça sob a face das mesmas águas, como Deus, no princípio...
(conto integrante do livro "O circo", no prelo pela EdUFPE).
2 comentários:
Muito bom! De uma síntese! Sobretudo poético. Gosto muito dessa linha curta.
Caro Jorge, bom que tenha gostado. Certo de sua sensibilidade sobretudo pelo poético, fico sinceramente lisonjeado. No mais, acredito que a música de Tiersen dialogue muito bem com o conto, uma leitura em Allegro agitato, somorzando apenas ao final chega no ponto de dois minutos exatos da canção incrustando a emoção dos acordes em sol maior com os poucos parágrafos do conto.
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