Há uma linha invisível entre heroísmo e estupidez...
Dizem que foram os gregos que, pela primeira vez na história do Ocidente, defenderam com unhas e dentes a liberdade contra a servidão.
As cidades-estados gregas, entre elas Esparta e Atenas, chocaram-se contra o monstruoso exército persa, liderado primeiro por Dario e, posteriormente, por Xerxes.
Conta a história (de Heródoto) que a liberdade venceu: ideologicamente, com a morte suicida dos trezentos bravos espartanos e de seus aliados na Batalha de Termópilas, e militarmente, com a engenhosa estratégia naval dos atenienses em Salamina.
Os homens livres preservaram sua liberdade, e o seu direito de terem escravos - pois sim!, os homens livres da Grécia tinham seus escravos, com os mais ricos dos atenienses possuindo até 50 servos.
E na História Ocidental esta dinâmica foi preservada durante muitos séculos. Ainda hoje muitos de nós são escravos: do dinheiro, da comodidade, do luxo, da ostentação, das corporações, do trabalho, inclusive escravos até de princípios que pouco correspondem à realidade.
Pensa-se no Ocidente como livre, democrático, justo e tolerante. É a mentira que repetimos dia após dia para convencermos a nós mesmos.
O problema fica realmente evidente quando tentamos definir o que cada uma destas qualidades realmente quer dizer e, para isto, centenas de tratados já foram escritos. São alguns dos principais temas que ocuparam as mentes dos filósofos de todos os tempos, mas particularmente da Modernidade em diante.
O que é liberdade? O que é justiça? É possível uma sociedade verdadeiramente democrática?
O Iluminismo francês forneceu as bases teóricas para algumas das maiores transformações sociais dos últimos séculos, da Revolução Americana, passando pela própria Revolução Francesa, e por todos os movimentos independentistas da América Latina. A revolução burguesa serviu até como referência para a revolução do proletariado, à qual esta se opunha.
As ideias que movem o mundo. As ideias que transformam a sociedade. As ideias que às vezes até nos impedem de ver as coisas como elas realmente são.
Eu acreditava que a era digital, com tamanha informação disponível, com comunicação sem fronteiras, inevitavelmente nos tornaria mais tolerantes, muito mais aptos a compreender e aceitar a diversidade.
Pelo contrário...
Entramos com os dois pés numa nova era de intolerância e ódio, e tudo que se diz, escreve-se, publica-se, canta-se e mostra-se é recebido com ira e palavras ásperas.
Todos têm opiniões sobre tudo, mas as opiniões alheias estão sempre equivocadas. E, para isto, não basta apenas discordar, é necessário defender até a morte a "verdade".
É preciso tornar-se um mártir da verdade e do que é correto.
Mas este é um segundo problema insolúvel. O que é afinal a verdade?
Ela está aqui, ali ou algures? Quem tem acesso a ela? Existe uma única verdade inequívoca, ou teria ela mil facetas fragmentadas e contraditórias?
Onde você vê liberdade, eu vejo servidão.
Onde você vê tolerância, percebo cada vez mais o discurso de ódio que de tempos em tempos ressurge.
Onde você vê uma imprensa livre, eu me assusto como a manipulação da mídia.
Onde você vê a verdade, eu postulo questão infinitas e insolúveis.
Eu não morreria por ideia alguma, pois elas são tão efêmeras e impalpáveis e indefiníveis quanto as ideias contrárias.
Morrerei apenas porque é inevitável, do modo como for.
4 comentários:
Perfeito, perfeito! E esse final, então, é de uma lucidez definitiva! Eu também não morreria por ideia alguma. E pelo mesmo motivo. Adorei esse texto!
Excelente, merecia publicação nos grande jornais. Parabéns, Henry!
Parabéns, Henry, pela lucidez de seu texto, como bem disse a Cinthia Kriemler acima. Assino embaixo! O século XX se foi, mas a era das incertezas permanece mais palpável e sufocante do que nunca.
Obrigado pela leitura, Cinthia, Cecílai e Kyanja. Queria escrever algo mais enfático, mas me autocensurei... :D
Abraços.
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