Morada
da memória
“que escrevendo ao menos luto contra o inatingível” (Julio Cortázar)
Por Fernanda Fatureto
O percurso da
memória até chegar a Paco, as palavras que se alastram como fios para recuperar
a figura de alguém que se mantém vivo na lembrança e todo o vai-e-vem da
linguagem determinam o conto Aí, mas
onde, como de Julio Cortázar, no livro Octaedro.
Semelhança a um
sonho, escrita e memória se confundem até que se “passaram trinta e um anos desde aquela manhã de outubro”. Para o
narrador “muito pior é esta passagem do
sonho às palavras” – escrever se torna um pesadelo palpável, conforme
retrocede lembrança do amigo ausente.
No texto, narra
precisamente a tarefa difícil do corte das palavras – seu despinhadeiro. “Se escrevo é porque sei”. Se o narrador sentencia
que sabe, “embora não possa explicar-me o
que é isso”, todo o texto ficcional encontra motivo aparente para estar ali.
A lembrança de Paco faz parte do campo ficcional.
O embaralho entre
sonho e realidade faz parte do jogo, o qual Cortázar domina bem. “Superpor ou violar as palavras” e
aguardar que elas cheguem no momento exato.
Irromper o fluxo narrativo e
localizá-lo (aí, mas onde, como) e
nesse movimento encontrar a figura do amigo. Sonho e ficção são o
mesmo: “instrumental do sonho” e
talvez para o escritor bater à máquina não haja um sentido pleno.
Escrever como
alquimia: o ato para chegar às suas perdas, aos que se foram.
No conto, Julio Cortázar
localiza a escrita em um terreno movediço. “E
você que me lê pensará que é invenção”. No papel, o escritor desmonta seus artifícios diante de nós como mestre diante de aprendizes de palavras.
*Fernanda Fatureto
é autora do livro de poemas Intimidade Inconfessável (Editora Patuá, 2014)
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