Joaquim
Bispo
Miniconto,
microconto, nanoconto são variantes narrativas que diferem do conto,
genericamente dito, pelos tamanhos progressivamente menores, cada uma com os
seus próprios cultores. As fronteiras não estão bem definidas, mas as modalidades
menores, pressionadas pelas novas tecnologias, pretendem escrever uma ficção
completa que caiba numa mensagem SMS (160 caracteres) ou mesmo num “post” no
Twitter, ou seja, 140 caracteres. Saramago sentiu-se obrigado a declarar que
“Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o
monossílabo como forma de comunicação.”
Não
é só em tamanho que conto e miniconto diferem. Este não é apenas um "conto
pequeno". Embora o espírito do conto se mantenha, a escassez de tamanho
condiciona algumas características: No miniconto, muito mais importante que
mostrar é sugerir, deixando ao leitor a tarefa de "preencher" as
elipses narrativas e entender a história por trás da narrativa escrita. É
paradigmático o nanoconto do guatemalteco Augusto Monterroso intitulado “O
dinossauro”, de apenas trinta e sete letras:
Quando acordou o dinossauro ainda
estava lá.
Os
concursos literários, pressionados pelas multidões de concorrentes e respetivas
avalanches de contos a concurso, vão progressivamente fazendo exigências de textos
mais pequenos, sendo vulgar o limite máximo de duas páginas, para contos. Os
mini, micro e nanocontos vão também fazendo o seu caminho em concursos, até com
publicação de coletâneas daí resultantes. Abaixo, algumas tentativas minhas com
limite de três linhas e sujeitas a tema:
Cebola:
Dona Ália Cebola
A anca larga e sensual
ofuscava o pescoço alto e esguio. Enlevado, libertou-a da capa cor de mel.
Arrebatado, arrancou-lhe mais dois véus translúcidos. Alcançou, então,
emocionado, o corpo níveo que procurava, enquanto as lágrimas lhe rolavam cara
abaixo.
(Publicado no jornal
literário virtual Olaria das Letras)
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E-mail:
Agora, só escrevo
cartas
“Não julgar Bush por
crimes contra a Humanidade é a prova da subserviência mundial à razão da
força.” – escrevi eu, a um amigo, por e-mail.
No dia seguinte, as secretas revistaram a minha casa, por suspeitas de
atividades terroristas.
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Caracol:
Vertigem
Foi a subir a escada em caracol atrás de ti
que eu fiquei com a cabeça à roda.
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Muro:
Conflito de
gerações
O muro: cinco andares de
gavetas numeradas. Na pequena urna da 602, as caveiras do casal face a face; as
tíbias em diagonal a separá-las; os outros ossos encaixados a rigor. Silêncio e
paz final? — Vieram outra vez pôr flores nos da 3719... — Mimados!
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Vento:
Alentejo
Ninguém teme o vento.
Ninguém acredita que é ele que me enlouquece. Ninguém percebe como ele manobra
sorrateira e incansavelmente nos ouvidos, até conseguir o que quer. Vou-me rir
tanto quando começarem a cortar as orelhas e a furar os tímpanos!
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Vermelho:
O outro lado do
Natal
Ao ver o Pai-Natal do
centro comercial, o miúdo, vermelho de indignação, correu a dar-lhe uma
canelada. Repreendido, justificou: — Este ano, ele não apareceu e o meu pai teve de me comprar a prenda com o dinheiro do almoço de Natal! Aldrabão!
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Ilustração de Rodolfo Bispo: https://www.facebook.com/rodolfo.bispo.77
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2 comentários:
Artigo muito bom, Joaquim. Gostei muito.
Obrigado, Fatima.
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