OS HERÓIS DA MINHA INFÂNCIA


 

 
Quanto mais conheço o mundo, mais penso nos saudosos e até ingênuos vilões que povoavam a minha infância. O Dick Vigarista, por exemplo: ele sabotava as corridas, mas todo mundo sabia que ele era vilão. Não enganava ninguém. E seu cúmplice era tão-somente um cachorro rabugento que ria e resmungava enquanto assistia às atitudes desonestas do dono. Não havia toda uma máfia tramando acidentes para tirar um piloto de cena, para outro da equipe vencer.
E a pobre vítima, Penélope Charmosa? Sua futilidade era a do estereótipo loura burra, em tempos ainda politicamente incorretos, guiando um automóvel cor-de-rosa. Um pouquinho fresca, talvez, mas nada comparado às vazias e anoréxicas Barbies de agora.
O que dizer do Esqueleto, coitado? Vilão, mas, apesar de ser até um tanto musculosinho, que chance teria num combate com o turbinado He-Man, de uma masculinidade ressaltada pelo duplo epíteto, e que ainda sacava daquela fálica espada, proclamando, de forma machista, a sua supremacia? Invocando os poderes de Greyskull, ele tinha a força. Quando sua irmã, She-Ra, surgiu, ela invocava a honra de Greyskull, reforçando a ideia de que à mulher cabia a honra e ao homem, o poder.
            Talvez mais perigosos fossem mesmo os heróis, afinal. Quem não se lembra do Vira-lata, uma espécie de supercão? A cada vez que era chamado por Doce Polly Purebread – sim, a eterna mocinha, sempre em apuros –, ele sacava de um comprimidinho, e dali vinha a superforça. Imagino se a geração de viciados em anfetaminas e anabolizantes não se teria inspirado no sarado cãozinho.
            E a equipe do Scooby-Doo, então? Clichê puro: Fred, o líder atlético e vaidoso; Daphne, curvilínea e burrinha, e Velma, a nerd de óculos grossos a quem cabia apenas o lado intelectual do mistério.
            Hoje, quando me reporto aos vilões da minha infância, reconheço neles uma quase inocência. Sempre levavam a pior, mas não aprendiam. Frajolas, Coiotes e Coringas surgem agora na minha mente como doces referências. Mas não havia propriamente maldade neles: é que, sem eles, o triunfo dos mocinhos não teria o mesmo sabor.
            Mas, nessa história toda, ainda prefiro o Salsicha e o Scooby: eram gulosos, medrosos, divertindo nossa infância e mostrando, no fim das contas, que os verdadeiros heróis não precisam ser perfeitos.

Comentários

  1. Esse texto é uma ode à antiperfeição! Bonito e verdadeiro. E saudoso.

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  2. Suas palavras são sempre muito bem-vindas, querida. Obrigada!

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