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domingo, 14 de setembro de 2014

TANTO E TÃO POUCO!

Cecília Maria De Luca                                   
Preciso lhe falar, meu amor. Estou pensando que daqui a poucos dias completo sessenta e nove giros em torno do sol. Tanto e tão pouco! Olho-me ao espelho tentando encontrar a leveza, o viço, a beleza, e tudo o que vejo são marcas e vincos.  Tão pouco tempo para a vida ir se desfazendo assim e, no entanto, quanto tempo! Tempo suficiente para aprender, conhecer, saber. E o que aprendi, o que conheci, o que sei? Girei tão depressa que sinto vertigem diante da constatação de que quase nada conheço, quase nada aprendi, quase nada sei. Quase nada tenho para lhe oferecer, meu amor. Olho meio que desanimada para minha imagem embaçada e... Opa, há alguma coisa ali que resplandece. Vê? Se não são lágrimas e se não é o reflexo da luz, tenho um novo brilho no olhar. Que bom isso! Sim, porque se os olhos são o espelho da alma, significa que a possuo ainda pulsante. Certo que devo isso a você que, nessas voltas finais, resolveu dar-me mais uma lição. Uma lição de amor. E é sobre o amor que quero e preciso lhe falar.  

O amor sempre foi meu combustível, em consequência, amores tive e muitos nessa vida. Pensava que amava, mas não. O que eu amava era ser amada. Amava ser servida. Amava manipular e fazer joguinhos de sedução. Mas diante da proposta de conviver, pulava fora. Os amores impossíveis para mim eram os melhores. Na minha santa ignorância, achava que o grande amor era aquele que nunca acontecia. Se acontecesse, deixava de ser amor. Insana que era! Precisei de todo esse tempo para finalmente aprender o que é amar de verdade. E tão pouco tempo me resta para por esse aprendizado em prática.

Descobri, pela primeira vez, que tenho vontade de oferecer mais do que receber e me pego com uma vontade imensa de servi-lo. De me fazer bonita e sempre disponível para você. De levar-lhe o café na cama, de preparar-lhe o banho, de massagear seus pés e ombros quando chegar cansado. De silenciar quando é o momento e respeitar seu silêncio se não quiser falar. Nos momentos de crise, ajudá-lo a resolver seus problemas. De não altear a voz quando sei que estou certa. Tenho vontade de enfeitar a casa, espalhando flores e velas perfumadas, de reservar para você o melhor pedaço da torta. De opinar, se precisar, na escolha da camisa que deve usar.  Quero aprender seu esporte favorito para, se quiser, praticá-lo comigo. Não quero medir forças com você, mas caminhar ao seu lado, sempre companheira e cúmplice. Fazê-lo pensar que me protege, ainda que não precise de proteção. Quero você, igualmente, protegido e amparado. Não interrompê-lo mesmo que fale o que considero bobagens. Sorrir de sua falta de jeito ao tentar fechar meu vestido. Tenho vontade de obedecer, mesmo que seu desejo seja fútil. Meu amor, você deve estar pensando que isso é muito natural. Pode ser, mas não para mim. Nunca quis isso na minha vida. Tanto que fiz questão de não aprender a cozinhar, lavar, passar. Servir a um homem? Eu? Eu que, nos anos sessenta, levantei bandeiras feministas, eu que sempre fui dominadora, intolerante e impaciente, que sempre pus meus interesses em primeiro lugar? Eu que costumava dizer: “gosto de você, mas gosto muito mais de mim”? Eu, independente, emocionalmente equilibrada, inteligente, convicta da minha competência, quero agora submeter-me? Pois quero sim, e assim mesmo, numa entrega total e abandonada a esse amor. E para ser honesta, um resquício do antigo egoísmo persiste quando sei que só serei feliz se puder ver a felicidade estampada em sua face. Parece loucura, bem sei, mas não é loucura, é amor. Um amor incondicional, tão verdadeiro e real que me acompanhará até o último giro, que sobreviverá ainda que você deixe de me amar, o que não acredito. Não acredito porque você sabe amar como poucos e me ama de tal maneira que me fez descobrir o significado desse sentimento que aviltei tanto. Você conseguiu despertar em mim a mulher que nem sabia existir. Só agora, depois de tantos giros, descubro minha feminilidade e doçura. Duas qualidades que fazem minha alma pulsar, meu corpo arder e meu olhar brilhar. Duas qualidades que ofereço a você, meu amor, numa bandeja de prata para servi-lo como a um rei que é.

Daqui a alguns dias completo sessenta e nove giros em torno do sol. Tanto e tão pouco! Tanto porque me levaram a juventude. Tão pouco porque parece que foi ontem que eu debutei. Vejo-me agora naquele mesmo salão, naquele mesmo vestido vaporoso, com o mesmo brilho no olhar e a mesma ansiedade na alma, esperando a orquestra tocar. E é com você, meu amor, que quero dançar a primeira valsa.      

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15 comentários:

O amor no presente do indicativo. Essa é você. E que todos os deuses a mantenham assim! Disposta ao viver pelo viver e a todas as coisas boas que vêm dessa entrega. Um texto-sol, é o que leio. Cheio de uma luz que só é possível aos que abrem os braços para recebê-la. Um estado de graça sem freios ou fronteiras. Viva, Cecilia! Viva Cecilia!

O amor que verseja, conjugando-se em réstias de multiplicada felicidade. Não a conheço pessoalmente ainda, querida Ciça, mas lendo-a é como se tivéssemos tido uma infinidade de encontros. Morrer de amor e continuar vivendo, é pura torrente de delícias. Pegando gancho no Cânticos dos Cânticos, livro que me guia, te digo: "O meu amado é para mim, assim como eu sou para o Amado"...Cheia de graça a rainha está.... Super beijo <3 <3

Minha querida Cecília, que texto maravilhoso! Falar de si como mulher e ao mesmo tempo do amor da forma que fez, deixou-me sensibilizada e tenho certeza que é impossível uma mulher de nossa idade, ler com atenção e carinho essa pérola e não identificar-se de alguma forma. Sabe, para o verdadeiro amor não existe idade, existe sim envolvimento verdadeiro, confiança no parceiro, simpatia mútua e muita amizade e respeito. Fico feliz pela minha mana estar vivendo realmente isto, pois sei que esta! Muitos bjos e mais uma vez, obrigada por brindar-me, logo pela manhã, com tantas reflexões....!

Valeu, Cinthia, querida. Valeu mesmo. Seu comentário sempre me deixa feliz e funciona como força que me empurra a seguir em frente.

Obrigada, Albertina. Sinto também essa afinidade com você e, quando nos conhecermos pessoalmente, será uma troca infinda. Veja que conheci finalmente o amor cantado em salmos. Tão lindo!

São pouco os escolhidos e você é um deles!!! Parabéns!!!

Una pasta, una bottiglia di Amarone e poi, l'amore ... Questo italiano è un ragazzo fortunato....
Fernando De Luca

Lindo e apaixonante!!! Obrigada, Cecília, por nos mostrar que existe o verdadeiro amor. Achava que amor incondicional somente pelos filhos... Mas, lendo sua vida, agora sei que não é uma utopia. Mais uma vez, minha amiga, você me surpreende e me encanta. Parabéns!!! E Viva o Amor!!! Beijo, Patrícia Gontijo de Andrade

O que mais me fascina é sua naturalidade ao escrever de forma tão leve, sincera e bela. É sempre delicioso ler seus textos. Parabéns mais uma vez!

Se não tivesse falado "mana" não saberia que era você, Lisete Pecoraro. Muito, muito obrigada, querida.

Patrícia, Marco Aurelio, puxa, que bacana vocês terem gostado. Fernando De Luca, penso que a afortunada sou eu por ter encontrado meu rei. hehehe

Belíssima conivência essa com o amor de verdade... deixou o texto e o sentimento romanticamente delicioso. Parabéns várias vezes: pelo encontro com seu grande amor, pelo grande texto e também pelo aniversário que está chegando: seus 69 giros em torno do sol. beijos.

Valeu, Geraldo Trombin! Grata pelos cumprimentos, tantos...

Criatura, que declaração! Ora, com mil pares de diabretes e anjos em guerra sangrenta! E mais uns duzentos milhões de faróis, porque tanto e mais foi o necessário para achar essa Cecília desengendrada de seus infernos e purgatórios e visões mesquinhas do céu... Ora, ora, fiat lux! (Gina Girão)

Querida Cecília... maravilhoso texto. A tua alma "cor de rosa" falando, vestida em terna doação que só um grande sentimento é merecedor. Que o manto da ternura sempre esteja a proteger tão nobre sentimento... Que Deus e os Anjo de Luz.. sempre os abençoe. Beijos de Luz e Paz. Donna Boris

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