A menininha sentada na mesa da frente, na cafeteria do novo Shopping da cidade, traja um vestidinho de oncinha. Será que ela escolheu a delicada roupinha ou foi sua mãe que a influenciou?
Mas o fato é que a menininha, no seu vestidinho de tule, se disfarça no meio da multidão com sardinhas de uma gatinha selvagem. Seu cabelo castanho, levemente abaixo dos ombros, é tão sedoso quanto certamente deve ser o pelo dos filhotes dos felinos que, acredito, ela deve amar.
Como será que essa guriazinha pensa? Com o que será que ela sonha durante a noite escura e amedrontadora? Ou ela não terá medo da escuridão porque vê a lua e as estrelas brilhando no céu? Será que ela sonha com gatinhos ou com florestas e seres mágicos? Com passarinhos verdes ou com a cor e o aroma de chocolate? Sonha com chocolates apenas? Com suas bonecas e seus vestidinhos, com a casinha de brinquedo ou com jogos de videogame?
Ou será que ela dorme aparentemente tranquila, enquanto quadradinhos vão saltando para fora de sua cabecinha, repletos de imagens de aventuras em montanhas e ruínas de antigos castelos, aviões que caem bem no meio da mata selvagem, onde, com certeza, o valente piloto a salvará de todos os perigos? Talvez seja a menininha que salve o piloto que se apaixonará por sua salvadora perdidamente.
Ou quem sabe a garotinha, desbrave a floresta sozinha, fazendo amizade com os gatos selvagens tão salpicados de sardinhas quanto ela, descubra o tesouro secreto, resgate os reféns e vire a heroína de uma história aparentemente improvável.
Eu não consigo ver o rostinho dessa menininha, somente suas costas. Ela continua degustando seu lanche na companhia de sua mãe. Para mim, ela não possui uma face. Mas é melhor assim: porque posso imaginá-la com qualquer rosto, com qualquer cor de pele que eu deseje.
Desse jeito ela pode ser qualquer menininha desse país, vivendo alegrias e tristezas, aventuras ou desventuras, ficções ou realidades comuns a todas as crianças de sua idade, independente de serem ricas ou pobres.
Só me basta ver seu vestidinho de oncinha, que contém e revela toda a pureza que a infância deveria possuir.
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