Joaquim
Bispo
Leio
a notícia e espanto-me: um homem que praticou sexo com uma mulher adormecida
foi absolvido, porque alegou que estava em estado de sonambulismo. No fim de
uma festa em casa de amigos, a vítima adormeceu num sofá e acordou com um tipo
em cima, festejando sozinho à conta dela. Além de ficar espantada também chamou a polícia. A absolvição assentou
na opinião de um especialista que asseverou que o acusado sofre de sexsónia, um
distúrbio do sono que leva o doente a ter comportamentos sexuais enquanto
dorme.
A
situação pareceu-me um álibi extraordinário para os maníacos sexuais:
—
Nada disso, senhor polícia, eu estava a apalpar aquela menina no metro porque a
viagem é longa e adormeci e, como prova este relatório médico, quando adormeço
faço tudo como quando estou com a minha namorada na cama;
—
Sr. Dr. Juiz, eu fazia emboscadas noturnas a jovens isoladas nas ruas do meu
bairro e violava-as, porque me deito cedo e sofro de sexsónia crónica. Como testemunharam
os senhores doutores médicos, aqui presentes, eu, quando adormeço, tenho tendência
a praticar sexo, dominador, como sempre.
Parece
que há outros distúrbios do sono muito bizarros: conduzir a dormir e comer a
dormir.
— Carlos, que é feito dos pratos de salgadinhos, para a festa de anos, que deixei aqui no frigorífico ontem à noite?
— Ah, então é por isso que me sabia a bacalhau. Sabes, tenho aquele distúrbio de
comer a dormir…
Que
fazer? Desde que esteja reconhecido pela medicina, pode sempre dar uma bela
absolvição?:
—
Meritíssimo Juiz, eu parti a cara àquele condutor, mas não sou culpado. É que eu sofro de uma condição clínica muito rara que se
chama «condução adormecida». Aquele palhaço ia tão devagar que devo ter
adormecido quando tentava ultrapassá-lo.
Para
um observador comum, estes distúrbios — as chamadas parassonias — podem facilmente
ser entendidas como farsas, mas são possíveis. A medicina diz que, nestes
casos, «as regiões do cérebro devotadas ao pensamento elevado, julgamento e razão
ficam desativadas, enquanto se mantêm ativas as áreas dedicadas às funções mais
“primitivas” — locomoção, alimentação e sexo.» O indivíduo parece acordado em quase
todas as suas manifestações e só alguns indícios fortuitos fazem perceber a
situação adormecida do sujeito.
Na
sexsónia (parece o nickname da Sónia, uma anunciante escaldante na página dos
classificados eróticos), há relatos de parceiros casados que só se aperceberam
de que algo não devia estar certo quando o parceiro começou a ressonar ou teve
outro comportamento bizarro, em relação ao ato sexual em estado de vigília. Depois
de o saberem, há quem aproveite, quem se conforme, e quem deteste, porque os
doentes têm tendência a ser um pouco mais brutos que em vigília, inclusive
consigo próprios. Nos trinta e um relatos da literatura médica, há o registo de
um homem que, adormecido, se masturbava todas as noites violentamente, pelo que
o seu pénis se apresentava num estado deplorável. A situação pode ser muito
embaraçosa, como a do homem que adormeceu na cadeira do barbeiro e começou a
masturbar-se. Curiosamente, os doentes, às vezes, negam a atividade que
desenvolveram, porque não têm consciência do que fizeram e não se recordam de
nada quando acordam. O homem absolvido no julgamento disse que só acreditou que
estivera a fazer sexo porque foi à casa de banho e viu que tinha um
preservativo posto…
Custa
a engolir, mas a sexsónia é uma situação médica aceite na lei canadiana desde
1995. A ela já se recorreu sete vezes, duas das quais com sucesso. Segundo a
lei, se não houve intenção de cometer um crime, não houve crime. Argumenta-se
que se um réu cometeu um crime quando pensava que estava a participar num
sonho, não deve ser punido, porque, basicamente, tudo não passou de um
pensamento e «se a lei punisse as pessoas pelos pensamentos criminosos, muitos
de nós estaríamos atrás das grades há muitos anos».
A
ofendida naquele caso é que não se conforma e recorreu, convencida, como está, de
que foi vítima de um caso inequívoco de violação. Também as associações femininas
se mostraram preocupadas com o precedente que representa esta absolvição, em
que, mais uma vez, houve vítima mas não houve culpado. Vieram a terreiro
lembrar que a situação é facilmente tratável com ansiolíticos como o Clonazepam,
e que, devido ao problema que representam para a sociedade (o homem em questão,
foi dito em tribunal, já tinha feito sexo a dormir com quatro namoradas), os
sexsones deveriam ser colocados sob a vigilância de uma entidade de saúde
mental, o que, em certos casos pode significar institucionalização dos doentes.
Um site na Internet, dedicado ao
assunto, veio mostrar que não são tão poucos como se possa pensar: registou
comentários de cerca de mil declarados padecentes.
Bem, enquanto se mantiverem na Internet e acordados…
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