No embrutecer do gorjeio a suavização se
resvalou desmedida, então a ausência se tornou mais afável do que qualquer
outro vício desnutrido. Alguns tragos por dissentimento e o desmoronamento dos
blefes foi esquecido, semblante apático que deificou nos abrolhos do caminho.
Pileques desovados no peito escavado e o que sobrou continua murmurando...
amá-la é uma febre por ter me perdido.
Seu martírio não fora exposto como os
ossos, mas sabia que inevitavelmente visitaria a ruína pela imutabilidade dos
adornos. Jovialidade escancarada do íntimo ao banal, jamais soube ao certo
quais eram os propósitos daquele canto que serenava aos seus delírios, mas
estava ansioso por refletir as conjecturas na mesma proporção em que se
arquejava esfomeado. Feito o bodhisattva das vociferações, porém com o corpo em
estado de indigência, carregava o percepto como uma criança que devaneia ao se encontrar
no ponto cego das interpretações.
Entregou-se em lealdade e
comprometimento esvoaçando sobre as projeções erguidas. Jardins, nacos de éter,
monumentos, movimentos, todos detalhadamente pincelados, tudo ansiando ser
despejado num vômito precedido de taquicardia. Caótica dádiva colhida no
desprendimento da razão.
Não entendia, e a compreensão é um ralado
que se ecoa, pois é assim que funciona com as manifestações abocanhadas, o seu
prosseguir sempre aceitando as pedradas. Oras! A bondade transbordara de sua
roupagem, fizera tudo certo pisando em ovos e secando gelo pelas escolhas e
declínios da música que pensava lhe consagrar, e não se notava na falência
generalizada dos sentimentos. Bípede, até implorou rastejando, mas não houve amor
que o levantasse, apenas mentiras que o concretavam delicadamente nos porquês.
Sábio como o negror que amedronta ilusões,
manteve-se ereto diante da sepultura. O que aquele cântico que o maltratava não
compreendera é que dos calos se faz um milagre, das aceitações se faz o infinito,
das contrações se faz o estrondo, e que sutilmente a compensação do refluxo se atarraca
em fúria.
Narcótico lancinante
ruminado na presença do vazio, essa era a mirabolante explicação para se
ocultar no que doía e parte suficiente do motivo para se afastar da bendição
daquele que a libertava.
Olhos verdes-opacos tão perdidos quanto às
palavras que a levaram para longe da concha sem ter que se perolar, comportamento
impulsivo-atômico herdado do limbo de Calígula, um jeito inapropriado de se
devolver o melaço afetivo, sumiços inexprimíveis e encenações de mimos manipulados,
segredos mortuários no caixote estéril das danações.
O mar, pensava ela, é como qualquer
outro absurdo côncavo no cio. Na altura de sua fátua intelectualidade, entidade
pensante apenas pelo maquinário verbal, escondeu o passado com medo de si
mesma, pois como exerce diariamente no desfalecimento da memória retroativa, não
existe transmutação se a morte permanece em silêncio, e quanto mais violenta é a
pancada, maior é a perspectiva da não aceitação. Retinha os sigilos de quem se
aproximava a ponto de desnudá-la apenas com singelezas, talvez fosse isso que
lhe envelhecera numa bela forma estereotipada, Vênus sequelada pelo pó em que
se aglutinou no cisto do desafeto.
Curiosa como um felino que se desdobra
em frestas imemoriais, vagante que só se conhece pela margem da crueza,
resolveu se banhar feito uma ondina levada pelos melindres da insatisfação em
não poder domar uma aura em demência. Apaixonada pelo espírito flamejante ainda
não habitado, mergulhou com os membros atados. Pensava, na ingenuidade do
desaforo, dominar todos os elementos da pureza.
_Meu bichinho! – Esbravejou na primeira
possessão ao inteligível.
E tudo se findou na precipitação dos
sentidos. Sereia que pensava ser, neófita dobradora das afeições, se perdeu deslumbrando
a Lua que refletia em sua inconstância. Desguarnecida de avisos ou ponderações
que pudessem lhe salvar, remou ao encontro da naturalidade sem luz própria. Mas
do que vale a iluminura quando se está vestido de céu? Eternidade. O sem fim
importara apenas no acaso, na ação ininterrupta de ter se roçado em nada. Não
houve glória para tamanha tragédia, afogou-se apenas por não estar.
Assim, feito uma vigília fluídica na confissão
das íntimas abjurações, a sina daquela ninfa imatura foi se entregar à
imensidão que lhe circundava sem poder abraçá-la, continuar à deriva mesmo
sabendo que tocar a eternidade daquele Bicho indefinível se tornou uma
impossibilidade em despedida, a triste rendição às promessas não vivificadas.
Coroou-a então com o único coral das
suas profundezas inexploráveis. Não que isso o bastasse em alívio, nem que o
fizesse acalentar o endiabrado beijo sucumbido, porém não lhe fora permitido desnutrir
quem o chicoteasse pela impolidez. Resguardada pelo passado incinerado, os
cintilantes raios acobreados dos cabelos balançaram pela última vez no silêncio
do aceno. A maré se elevou encobrindo as cicatrizes, vivificações sorrateiras
no prenuncio do amanhã. Refugiou-se dentro dele com os olhos de tempo algum.
Ele, Senhor das águas vetustas, sombração
deliberada do impalpável, nunca sofrera um nó em suas lágrimas, e mesmo que o
achasse por espasmos em alguns momentos no canto dos arruinados, sempre deixou
o sangue gotejado para se lembrar do caminho de volta, para se remoer
inteiramente antes de eriçar a ígnea revolta, pois estar nela era a sensação
que nunca absorveu em nenhuma.
Incógnito anelo, a comunhão se deu pela penúria.
Tudo o que houve, do porvir até o calar, foi em justificação ao martírio à
beira dos remendos.
_Nutrir o regalo com
o húmus do nosso amor é a coisa mais cabível nessa viela ensandecida. – Enlanguesceu-se
notívago trancafiando-a no fôlego.[Witold Pruszkowski - Falling Star (1884)] |
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