ÓLEO SOBRE TELA
|Mario Filipe Cavalcanti
(Para Oswaldo Goeldi)
Minha rua é uma reta vazia
Como uma flecha direcionando ao nada
Onde os gatos siameses e malhados nos olham
Com seus olhos de gatos, por sobre os muros das casas
Nela a solidão do asfalto frio é a mesma do céu da noite
E o grito do silêncio não é rompido
Nem pelos gemidos dos casais no leito
Nem pelo sapato emborrachado do viandante ensimesmado
Nem pelo som estridente das rodas enferrujadas do carrinho de cachorro quente que a sombra do homem curvado empurra
Minha rua é feita de saudades e de abraços esquecidos
Ou mesmo de armas em punhos e mentes assaltadas de algum vazio
Nela o amarelo dos postes é como gemas esquecidas numa frigideira que não mais se esquenta
E a lua vermelha como o sangue que escorreu daquela espinha estourada
Nela um alguém como eu arquiteta o poema ao som dos passos da vizinha do andar de cima
E a luz solitária de seu quarto é como um olho na imensidão escura das ausências
Verdadeiramente colorido, apenas o encarnado do guarda-chuva do homem bem vestido que esqueceu o coração em casa.
ABANDONO - ELEGIA
|Mario Filipe Cavalcanti
Ao som do tema do Prelúdio das Bachianas Brasileiras n. 4 de Villa-Lobos
A pétala partida nas mãos enrubescia seus olhos
As faíscas que o coração lançava poderiam queimá-lo
O vermelho agourento da rosa derramava-se entre seus dedos
E escorria
E escorria lentamente
Como se aquele instante não fosse
A pétala partida
E escorria o líquido vermelho
Em sua mente o tempo dançava com o espaço e se fundiam numa foda até se tornarem nada
E a pétala na mão, a rosa vermelha como o sangue mais encarnado
De seu coração
O líquido escorria
E escorria...
O instante
Vermelhos lábios crispados os crispados lábios vermelhos
Como o fogo de seu cabelo laranja fogo
Como se ela toda viesse do fogo no qual entrara e sucumbira
A pétala vermelha dos cabelos de fogo
E a dor, aquela dor que ele sentia
Suas mãos escorrendo com o líquido vermelho
Como se seus dedos, seus próprios dedos não fossem
Como se nada mais fosse
Como se o relógio no alto da Malakoff devesse
Como se o relógio no alto da Malakoff devesse (ficar parado)
E os olhos dela diziam
E os olhos dela disseram
(o vento em seus cabelos negros)
E em suas mãos o líquido que, suor, escorria
Ela subira ao mais alto das nuvens e se incrustara
Voo vermelho fogo avião caído
O suor vermelho suas mãos escorrendo
Ela
Pétala
Rosa
Suor
Caindo...
*Gravuras: "Abandono" de Oswaldo Goeldi
2 comentários:
Belos poemas sobre o trabalho de um grande artista! A atmosfera dos desenhos é captada com sensibilidade e reproduzida de forma admirável. Parabéns, Mario!
Obrigado, Edelson!
Postar um comentário