Sou um sujeito desagradável. Em outros tempos, seria chamado de inimigo do povo. Tento ser simpático, é verdade, e não me considero um monstro. No mês passado, fui chamado a participar de um desafio: deveria jogar um balde com gelo e água na cabeça, para mostrar meu apoio ao combate a uma doença terrível. Do contrário, deveria fazer um pagamento para uma instituição que pesquisa a sua cura. Mas o que todos querem mesmo é a baldada. A ideia de fazê-lo em redes sociais é apavorante. Fiquei na dúvida: sou mais pão-duro ou tímido? Fui chamado de insensível, sem coração e sem espírito de solidariedade. Meus filhos também protestaram. Enfim, como não sou dotado de personalidade das mais fortes, lá fui eu...
Na noite daquele mesmo dia, recebi um telefonema. Um colega, membro de uma associação de advogados ambientais, se declarou profundamente decepcionado com minha conduta; surpreso até - não o culpo: também não acredito, até hoje, que joguei um balde d'água em minha cabeça. O país atravessa a pior seca em mais de oitenta anos, babava, irado, do outro lado da linha. Meu gesto foi inconsequente e oco (bom, quanto a isso, estamos de acordo). Prejudiquei o país. É lógico que eu não presto. Se não reconhecia a seca, provavelmente eu sou a favor do governo de São Paulo.
No dia seguinte, fui chamado para participar, aqui na cidade onde moro, de um ato em defesa da água, pelo uso consciente de um recurso natural escasso. Um dos culpados é o agronegócio, que se apropria de cursos d´água. A grande indústria também não presta. Deveríamos priorizar uma alimentação mais saudável, orgânica; uma vida bem menos consumista. E todos fomos lanchar uma porção de açaí com granola. Participei de uma caminhada pela cidade.
Empanturrado de cereais, não pude deixar de acompanhar minha família na última refeição do dia. Uma rede de fast food destaca um determinado dia do ano para uma campanha contra o câncer. O negócio é comer o principal sanduíche da rede, e o valor arrecadado é doado a instituições de saúde. Assim, passamos uma tarde feliz e ainda ajudamos quem precisa. Como me negar a participar deste evento? Fomos todos, num shopping center perto de casa, saborear um Big Mac solidário.
Na semana seguinte, tive problemas na escola dos meus filhos: como eu poderia admitir e incentivar que eles se alimentassem tão mal? Também me indispus com uma confraria que regulamente se reúne para degustar um bom vinho (devo ter comparecido umas duas vezes nos últimos cinco anos) e o pessoal da academia de musculação, que não perdeu a oportunidade de me lembrar que quem está vinte quilos acima do peso ideal deveria se alimentar melhor. Pensei em avisar que comer um sanduíche é diferente de comer 365 sanduíches em um ano, mas tive o bom senso de ficar calado.
Não aguentei. Estava mentalmente esgotado. Passei uma semana em uma clínica de repouso, por estafa. Quando, no último dia, o psiquiatra me recomendou que eu fosse autêntico, espontâneo, e que deveria seguir o meu instinto, sem dar bola ao que os outros pensam, não tive a menor dúvida: avancei em direção ao seu pescoço até esganá-lo.
Na noite daquele mesmo dia, recebi um telefonema. Um colega, membro de uma associação de advogados ambientais, se declarou profundamente decepcionado com minha conduta; surpreso até - não o culpo: também não acredito, até hoje, que joguei um balde d'água em minha cabeça. O país atravessa a pior seca em mais de oitenta anos, babava, irado, do outro lado da linha. Meu gesto foi inconsequente e oco (bom, quanto a isso, estamos de acordo). Prejudiquei o país. É lógico que eu não presto. Se não reconhecia a seca, provavelmente eu sou a favor do governo de São Paulo.
No dia seguinte, fui chamado para participar, aqui na cidade onde moro, de um ato em defesa da água, pelo uso consciente de um recurso natural escasso. Um dos culpados é o agronegócio, que se apropria de cursos d´água. A grande indústria também não presta. Deveríamos priorizar uma alimentação mais saudável, orgânica; uma vida bem menos consumista. E todos fomos lanchar uma porção de açaí com granola. Participei de uma caminhada pela cidade.
Empanturrado de cereais, não pude deixar de acompanhar minha família na última refeição do dia. Uma rede de fast food destaca um determinado dia do ano para uma campanha contra o câncer. O negócio é comer o principal sanduíche da rede, e o valor arrecadado é doado a instituições de saúde. Assim, passamos uma tarde feliz e ainda ajudamos quem precisa. Como me negar a participar deste evento? Fomos todos, num shopping center perto de casa, saborear um Big Mac solidário.
Na semana seguinte, tive problemas na escola dos meus filhos: como eu poderia admitir e incentivar que eles se alimentassem tão mal? Também me indispus com uma confraria que regulamente se reúne para degustar um bom vinho (devo ter comparecido umas duas vezes nos últimos cinco anos) e o pessoal da academia de musculação, que não perdeu a oportunidade de me lembrar que quem está vinte quilos acima do peso ideal deveria se alimentar melhor. Pensei em avisar que comer um sanduíche é diferente de comer 365 sanduíches em um ano, mas tive o bom senso de ficar calado.
Não aguentei. Estava mentalmente esgotado. Passei uma semana em uma clínica de repouso, por estafa. Quando, no último dia, o psiquiatra me recomendou que eu fosse autêntico, espontâneo, e que deveria seguir o meu instinto, sem dar bola ao que os outros pensam, não tive a menor dúvida: avancei em direção ao seu pescoço até esganá-lo.
4 comentários:
Texto delicioso. Fluido, dos que a gente lê sem parar. Este mundo politicamente correto tem hora que endoida qualquer um. Muito bom.
Obrigado mais uma vez, Cinthia!
Que ótimo texto. Pena que tão curto. Queria mais...
Crónica bem-humorada. Li-a com gosto.
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