Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Odeio futebol

Henry Alfred Bugalho

Odeio futebol.

Não pelo jogo em si, que é somente estúpido e sem propósito como a maioria dos outros esportes, mas pelo que ele representa.
O futebol é um símbolo de tudo aquilo que deu errado no Brasil - a miséria, o atraso, a corrupção, o populismo, a violência fora de controle -, mas que não importa muito desde que haja uma bola rolando no campo.
O mundo pode estar desabando, mas o país se paraliza para acompanhar a final da Copa do Mundo.

O futebol brasileiro é uma paixão excludente, não tolera amantes, não tolera outros romances. Ofusca todo o resto, os demais esportes, as Artes, os outros talentos, as outras ambições.
Exclui também os dissidentes; se você não torce, torna-se um intocável ou uma bicha, o que nos círculos dos machões torcedores é quase a mesma coisa.

Imagine-se criança no pátio da escola na aula de Educação Física. Os meninos e as meninas se dividem.
De um lado, os garotos com uma bola de futebol.
De outro, as garotas com uma bola de vôlei.
E você, que joga xadrez, onde se enquadra?

Quase todos os garotos já sonharam um dia em ser um jogador de futebol. É a maneira mais rápida e gloriosa de deixar a pobreza e a mediocridade.
Muito melhor do que ser um empreendedor, cientista, artista ou estadista de sucesso.
São estes meninos quem mais compreendem como funciona o país.

Demonstrações de carinho dos brasileiros para a filha do jogador colombiano que quebrou a vértebra de Neymar, durante a Copa do Mundo


O futebol extrai o que há de melhor do brasileiro, mas também o que há de pior; e o pior de um brasileiro pode ser realmente aterrador.

Para um brasileiro, o futebol é um estigma, quase um estereótipo, do qual você jamais se livra. Para onde quer que vá no mundo, ao descobrirem de onde você é, o resultado é inevitável:
1 - alguém escalará alguma das seleções brasileiras históricas, ou
2 - mencionará algum jogador famoso de alguma época em que você nem havia nascido, ou
3 - indicará algum jogador brasileiro na seleção local.
Geralmente isto é acompanhado de um sorriso e de gritinhos histéricos do interlocutor: "Brasil! Brasil! Brasil!"
Há uma simpatia global pelo nosso futebol, mesmo que haja uma ignorância completa sobre todo resto. O Brasil é a seleção; "A Pátria de Chuteiras."
Minha primeira resposta é quase sempre a mesma: "Sorry, but I don't like soccer. I don't understand a thing about it."
O que já encerra qualquer futura menção ao assunto. Todavia, algumas vezes, eu simplesmente escuto, sorrindo com constrangimento.

Descobri que não somos somente nós que idolatramos o futebol, porém é uma lástima que este seja o único motivo para nos orgulharmos.

Recentemente, numa viagem à Alemanha, dois senhores em Colônia vieram falar de futebol conosco. Escutamo-los por uns vinte minutos, até que, enfim, comentei:
"Vocês entendem do futebol brasileiro mais do que eu. Por outro lado, devo entender mais de Nietzsche e Heidegger do que vocês... Não é curioso?"
Nós rimos.
Era verdade.

Share




2 comentários:

Querido editor Henry, parabéns pelos argumentos e pelo texto. Mas me permita expressar um sentimento divergente: amar o futebol é delicioso! Ainda bem que a literatura nos permite abordar o tema com tanta paixão! Abs, Maria Amélia Elói.

Quando assisti ao descalabro do Brasil perante a Alemanha, temi o pior. Temi que a enorme desilusão, com laivos de humilhação, levasse alguns adeptos mais fundamentalistas a atos de desespero.

Afinal, tirando a habitual reação de quem procura pretextos para partir tudo, e uns casos ambíguos de suicídio, parece que os amantes brasileiros de futebol souberam relativizar a situação, destrinçar Brasil de seleção brasileira de futebol, e ter o discernimento para seguir em frente.
Há males que podem vir por bem. O Brasil tem muitos aspetos de que se pode orgulhar e que não passam pelo futebol, e antevê-se-lhe um futuro de múltiplos focos com potencialidades de êxito nacional e internacional.

Postar um comentário