DIALÉTICA DO MAL
Em memória das vítimas da “Chacina de
Unaí/MG”
Um homem
ao sol,
sobre a terra.
O sol brilha
o suor
na cara
lanhada.
A mão,
a terra,
a enxada,
sob o sol.
A mão
a mover
a enxada.
A mão
a limpar
o suor da cara.
A semente,
o sonho,
a ameaça.
A semente
traz em si
o sonho
do alimento,
no moto-contínuo
da vida.
O homem
sonha a semente
a gerar o alimento.
A arma
arma
a
armadilha.
O sonho
desfeito
no engodo,
na labuta pelo pão
para os
filhos.
O sonho é livre.
O homem, não.
A mão –
peça central
na engrenagem
da exploração.
A mão
que move a enxada,
sob o sol.
A mão
que empunha
a espingarda,
que brilha ao sol,
(na “ameia”
da ameaça).
Enxada e espingarda
a gerar solidões
diferentes
(anda que
tão próximas).
O dono da terra
sonha-se
senhor de um
(o da enxada),
sendo patrão
do outro
(o da espingarda).
A semente do mal,
em terra fértil,
cresce,
floresce,
frutifica.
O dono da terra
beija a boca sensual
da esposa bonita,
com seu colar
de
diamantes.
O dono da terra
beija os rostos
rosados
dos
filhinhos
sorridentes.
(Um exemplar
pai de família.)
O dono da terra
vai para trabalho,
feliz,
na Cia
Enxada &
Espingarda
Ltda.
Na sala ampla,
suntuosa,
confere números
robustos:
saldo bancário,
impostos (sonegados),
aplicações na bolsa
de
valores outros.
Aos domingos,
a missa,
os
donativos,
a
bênção.
Beija a mão
do padre
e os pés
do santo
(de barro).
Depois,
o passeio
e o jantar
com a família.
(Um cristão
exemplar.)
Na fazenda,
alhures,
a enxada nervosa
já não remove
a terra;
já não a move
a mão resignada,
mas o ódio
coagulado.
A mão da espingarda
comete um vacilo;
e
num átimo,
a testa
conhece o brilho
do aço frio
da
vingança.
Na rápida
reação,
o estampido
e o baque
de mais um corpo
ao solo,
sob o sol.
Longe dali,
o dono da terra
olha-se no espelho
dos olhos
do primogênito,
que já traz em si
sua semente.
0 comentários:
Postar um comentário