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segunda-feira, 12 de maio de 2014

Um Assassinato na FLIP



...(sic). Um “oh” em uníssono. Foi trágico, e inexplicável. Pelos degraus que separavam os letrados do grande público, escorria um filete de sangue, em forma de “s”... E a vítima, cuja essência “desconhecida e obscura” intrigava os mais íntimos, fora prontamente removida, numa tentativa desesperada de socorro. A FLIP daquele ano seria interrompida, talvez suspensa por tempo indeterminado, até que aquele trauma fosse superado. O curador do evento, ao presenciar a reação do público presente, tentava, em vão, manter o controle pelo microfone. Do lado de fora, revoltosos apedrejavam o telão da Tenda Matriz. Lá dentro ainda se encontrava o criminoso... Para evitar que a lei de Talião fosse a lei imperiosa no recinto, os guardas protegiam, em cerco, o autor daquele crime bárbaro. Paulo Coelho deixou a bancada, envolto em sua comum aura de mistério. Logo é abordado por um ávido repórter. “Paulo, antes desse acontecimento, você vinha sendo o alvo de todos aqui na FLIP, as pessoas ameaçavam deixar o evento caso você viesse a palestrar... E agora esse cenário muda da água pro vinho, como você analisa tudo isso?” “Maktub, meu camarada, maktub... Mas, como já diz aquela frase de Facebook, que por sinal é de minha autoria, ‘Deus dá sempre uma segunda chance na vida’”.
Um representante dos Direitos Humanos tenta controlar a multidão enfurecida. “Acalmem-se! Errar é humano! Quem nunca errou na vida, que atire a primeira pedra!”. E atiraram livros. Um Aurélio quebrou o nariz do sujeito que, no calor do momento, mandou que todos fizessem um uso dolorido do ânus. Mais tarde, seria demitido pelo chefe, Feliciano...
Aquele senhor de idade, quase centenário, como pôde? Teria sido um ato de insanidade? Caso psiquiátrico? Suas justificativas eram infundadas. Um senhor respeitadíssimo pela comunidade acadêmica, membro da ABL, perde toda sua reputação após ter cometido o crime mais absurdo que lhe cabia. Pelas redes sociais, aquela notícia se alastrou impiedosamente. O aplicativo Criminal Case adicionou o caso “FLIP 2013”. Fotos (do Instragram, claro) eram postadas com a obra do referido autor tendo suas páginas picotadas, ou simplesmente queimadas. A Avenida Presidente Wilson, no Rio de Janeiro, estava tomada por indignados manifestantes. Em frente à Academia Brasileira de Letras, erguiam cartazes com dizeres enfáticos, tais quais “Sauve a ultima Flor do Lassio” “Fora, assassino!” “Limpeza na ABL!”, “Desocupe a cadeira, seu burro!”, “Reformulem os livros didáticos!”. Diante das constantes manifestações, as quais atingiam até mesmo outros imortais, Ana Maria Machado providenciou uma audiência pública na Cinelândia. Em um enorme palanque (mais tarde haveria show do Naldo), a presidenta da ABL apresentou o réu, o qual fora assuado pela grande massa.
Ecce homo!... Um homem que já contribuiu muitíssimo pela formatação da nossa Língua Portuguesa!
 Logo abaixo do palanque, um linguista metido a besta exclama, pelo alto-falante:
– Um homem que amarga o passado e desconhece o biologismo linguístico! Um péssimo exemplo para os falantes! Um velho que agora prova do próprio veneno! Abaixo a norma culta!
E todo o povo mandou a norma culta pra cucuia. Ana Maria, observando a situação delicada que seu mentor acadêmico se encontrava, convida a entrada de José Sarney e FHC, também atacados pelos manifestantes:
– Zé Sarney, o homem que, em seu governo, provocou a maior inflação que este país já viveu; que já foi acusado de tramoia no Senado e que escreveu “Brejal dos Guajas”, as 50 páginas mais traumáticas que já li em toda minha vida.
FHC, antes de ser apresentado, toma o microfone:
– Com licença, presidenta, todos me conhecem, dispensemos este ritual. Quero aproveitar o ensejo para lançar mão de um projeto que tornará o Brasil o país-referência da literatura: a legalização e viabilização da maconha para todos os escritores deste país. A maconha eleva a inteligência humana! Tenho dito!
Muito aplaudido, FHC devolve o microfone à intermediadora.
– A voz do povo é a voz de Deus... Apenas um membro poderá desocupar a cadeira da ABL nesta ocasião... Quem vocês acham que deve abrir mão da Academia?
Não tinha perdão. O assassino da FLIP, como ficou conhecido, fora crucificado pelo povo. De quebra, os manifestantes exigiram que Bruna Surfistinha assumisse o posto do morto-vivo, sob os gritos de “abaixo o purismo”. Condenado também judicialmente, por ato culposo, ou seja, acidental, o gramático seria exilado para o Acre (?), tendo de viver em reclusão, durante três meses, com a cantora Vanusa.
Aquele crime foi comentado algum tempo, sem um esclarecimento plausível. Meses depois, o regenerado purista foi visto e fotografado no Mc’ Donald com os linguistas Celso Luft e Marcos Bagno. Aquela cena intrigou o Brasil, ou, melhor dizendo, o Brasil que se interessa por esses assuntos. A mídia (TV Cultura, TVE Brasil, Cine Brasil TV) não cessava as interpelações. Convidado para o programa Roda Viva – aquele senhor, aparentemente inofensivo – se viu atordoado diante de tanta gente enchendo o saco.
“Senhor Evanildo Bechara... Considerando que, em vias naturais, isso seria impossível, o que motivou o senhor a assassinar a gramática na FLIP deste ano?”
            “Caríssimo ex-gramático, por que se reuniu com seus maiores inimigos?”
            “Pessoas cultas frequentando o Mc’ Donald significaria uma tentativa de despistar os jornalistas e intelectuais?”
            “Perdoe a ousadia, mas o senhor caducou ou virou índio?”
            A verdade, por trás das cortinas daquele crime, jamais poderia ser revelada. Tudo fazia parte de um plano superior. “Um pacto inquebrantável” entre os maiores conhecedores da língua portuguesa. Bechara lembrou-se da hora que antecedeu a sua palestra na FLIP... Tudo aconteceu numa sala obscura, de uma biblioteca... O encontro, a ameaça... E o ponto final naquela rusga secular entre puristas e linguistas.
            Ao ter sido perguntado sobre o que faria no futuro (embora já estivesse com um pé e meio na cova), concedeu uma resposta que soterrou qualquer tipo de perseguição.

            – Vou me candidatar à presidência da República. Por que não? Se o Lula, que diz ter nascido analfabeto, se tornou o presidente mais célebre do Brasil, por que não eu? Se o Renan Calheiros, que já desviou dinheiro, falsificou documentos e ainda se tornou o presidente do Senado, por que não eu? O povo brasileiro tá acostumado a ter ídolos às avessas. Que assim seje”.

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