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segunda-feira, 26 de maio de 2014

Palavra placenta


Encantadas

Palavras
não se tolhem
não se castram
não desgraçam

Saem até mais prenhes
dos terremotos
dos latrocínios
dos tsunamis
do meu silêncio



Fórceps

Nem que de cesárea
pré-eclampse
à força bruta
meu poema tem de nascer

Naturalmente
só o canto do pássaro
e o choro da árvore
carpinejar

Naturalmente
só o cheiro do sol
e os férteis barros
do manoel



Lamento

Nem a estéril inveja tanto a parideira
Nem o cunhado deseja tanto a irmã mais bela
Nem o mel açucara tanto no auge inverno
Nem a mãe se esgota tanto ao sugar-lhe o filho
Nem o sol castiga tanto o boia-fria
Nem a virgem despeita tanto a noiva

Quanto eu lamento
não ter gestado o mais anônimo
verso de Drummond


Intransitiva

Tomei cisma dos transitivos
sanguessugas
preguiçosos

Vivam apenas os verbos grávidos
que carregam em si
a completude
ou o desejo dela

A vida assim está
plena, fértil:

O independente
nasceu
caminhou
pariu
desmaiou
morreu

Simples assim,
como a ressurreição
acontece



Dúvida

Luto no leito
O parceiro ao lado me rejeita

O livro fechado na estante
sente o mesmo?




Recursos humanos

Leite potável não tenho
pra abastecer o mundo
Aceita-me as palavras?

Prometo tratá-las
em pó de arco-íris

Prometo gravá-las
em potes de seda

Prometo não serem
Nem arma nem voto

Talvez salto de criança
nos braços do pai
Talvez beijo da máquina
na palma da floresta

Aceita-me as palavras?

Prometo
manter-lhes levíssimas asas
manter-nos irmãos
pela mesma sede



Bula

Poesia à base de glúteo e glúten
Degluti-la pode causar alergia
(digo, alegria)


Maria Amélia Elói

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