Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

sexta-feira, 2 de maio de 2014

AO SEU DISPOR


 

Encontrar um hotel daqueles justamente quando estavam perdidos havia sido um golpe de sorte. As recusas dele em pedir informações fizeram com que eles saíssem da estrada principal. E ali, no meio do nada, depois de pegarem uma estradinha de terra, acidentada, e de uma chuva torrencial que dificultara ainda mais as coisas, surgia, como um oásis, aquele hotelzinho aconchegante.

Nem parecia que estavam em lua-de-mel. Não que não fossem apaixonados, mas a sucessão de episódios ruins desde que saíram do trajeto original os havia estressado a tal ponto que ambos só desejavam agora um local decente para tomar um banho e dormir. Ela, pateticamente trajando um vestido de noiva, queria manter a tradição e ser carregada no colo pelo noivo, o que agora, com o coque desfeito e o vestido amarrotado, parecia totalmente ridículo.

Ângela foi a primeira a entrar. Tocou insistentemente a campainha em cima do balcão, mas ninguém apareceu. Carlos entrou em seguida, carregando as malas e depositando-as no hall de entrada.

– Olha só que gracinha de hotel! – ela parecia deslumbrada.

– Estou tão cansado que dormiria até neste sofá – ele declarou, desanimado, indicando, com os olhos, um sofá no outro canto do saguão.

– Acho que não tem ninguém aqui. O que a gente faz agora?

– Se ninguém aparecer, pegamos uma chave, e...

– O quarto oito é perfeito para vocês – Carlos foi interrompido.

Ambos olharam para o ponto de onde viera a voz. Um homem de meia-idade, levemente antipático, surgira na recepção.

– São recém-casados. – afirmou, tentando parecer simpático, enquanto olhava o vestido dela. – Que ótimo! Sempre temos o que o cliente deseja. A suíte oito é uma das mais procuradas, e passou por uma reforma recentemente – dizendo isso, o homem pegou as malas e começou a carregá-las em direção ao quarto.

Carlos e Ângela entreolharam-se.

– Espere. Nem preenchemos a ficha ainda.

– Não faltará tempo. Agora podem subir – o funcionário respondeu secamente.

O quarto era de fato belíssimo. Quem visse o hotel pelo lado de fora não poderia imaginar uma decoração tão esmerada. Era simples, mas possuía um inegável toque de classe. Uma decoração em tons florais conferia um ar romântico ao cômodo.

– Não é exatamente o resort para onde iríamos, mas até que é simpático, não é? – ele perguntou, passando os braços em torno dela. A tensão dissipara-se.

– Você está brincando? Isso aqui é maravilhoso! Eu poderia passar o resto da minha vida aqui – disse Ângela, com os olhos brilhando.

– Acho que desconhecem o conceito de serviço de quarto por aqui – a voz dela denotou impaciência ao perceber que o telefone estava mudo.

– Vou descer e tentar conseguir algo para comer.

– Devíamos ter trazido um pedaço do bolo. Dizem que os noivos nunca aproveitam a festa.

Ela entrou no banheiro e despiu o vestido de noiva, ligando a água da banheira. Um relaxante banho era tudo de que precisavam. Se a comida fosse ruim, partiriam de manhã rumo ao hotel reservado.

Os minutos se passavam e Carlos não retornava. Vestindo-se novamente, ela desceu as escadas, procurando algum sinal de vida. Nem o rabugento homem da recepção estava mais ali.

Todos os quartos, à exceção da suíte em que estavam alojados, pareciam vazios e trancados. A cozinha, modesta porém ampla, estava igualmente vazia. Lançou mão de uma garrafa e saiu rapidamente, percorrendo toda a ala daquele andar. Aturdida, correu até o lugar onde haviam estacionado o carro, e constatou que ele permanecia no mesmo lugar, e era o único ali.

Amedrontada, começou a chamar pelo marido, sem resposta. Sua voz, que ficava um tanto esganiçada quando ela ficava nervosa, estava agora irreconhecível. Percorrendo toda a extensão do hotel, gritava, agora realmente desesperada.

Após refazer o percurso, certificando-se de que não se esquecera de nada, esquadrinhou novamente o hall e o saguão, que lhe pareceram um tanto diferentes.

Exausta, retornou ao quarto, munida de uma bebida forte que encontrara na cozinha. Soluçando, encolheu-se ao pé da cama, quase em posição fetal. Os longos cabelos negros estavam agora totalmente desgrenhados, e a maquiagem borrara-se por completo. Nesse momento, a porta abriu-se e o antipático funcionário sorriu-lhe.

– Onde está meu marido? O que fizeram com ele? – o tom histérico em sua voz não pareceu perturbar o homem, que se limitou a estender-lhe a mão.

– Cuidado com o que deseja, minha cara.

...

Uma semana depois, um homem encontrava um hotel que não constava do mapa. Perfeito para sumir por uns dias, até que ninguém o pudesse ligar ao roubo do dinheiro do cofre. O hotel era pequeno, rústico, e, o melhor de tudo: discreto. Parecia quase invisível aos olhos de quem passasse por aquela estradinha pouco usada.

Ao entrar, foi atendido por uma simpática jovem, de longos cabelos negros. Seu olhar avivou-se quando ele perguntou se havia algum quarto disponível.

– Eu preciso de um lugar sossegado, pois não quero ser importunado. O lugar aqui é tranquilo?

– Temos exatamente aquilo que o senhor quer – respondeu ela, com um sorriso. – Sempre temos o que os clientes desejam.

 

Share


Tatiana Alves
Tatiana Alves é poeta, contista e ensaísta. Participou de diversos concursos literários, tendo obtido vários prêmios. É colaboradora da Revista Samizdat, já tendo escrito para os sites Anjos de Prata, Cronópios, Germina Literatura e Escritoras Suicidas. É filiada à APPERJ, à Academia Cachoeirense de Letras e à AEILIJ. Possui nove livros publicados. É Doutora em Letras e leciona Língua Portuguesa e Literatura no CEFET / RJ.

todo dia 02


0 comentários:

Postar um comentário