SOBRE
DORES E ABANDONOS
I
Tua dor é a minha morada.
Mas sou bêbado errante,
à procura de um bálsamo.
Estar contigo
é definir meu lugar no mundo.
(Como um animal ferido
que vislumbrasse sombra
à beira de um rio de água límpida
e numa pedra repousasse a cabeça,
à espera do fim.)
II
Não sei quem és.
Nem sei quem sou.
(Busco respostas na poesia,
mas a poesia é inútil.)
Nós dois: o munduniverso.
(Falácia que inventei
como um ponto de fuga
– mas a palavra, em si,
é também um labirinto.)
III
Por mais que eu percorra
desvios,
esquinas, becos, outros
corpos,
sempre volto ao não lugar
em que te escondes de mim
(e, ensimesmada, de ti).
IV
Resigno-me, tal cordeiro
(eu, que nem sou dado
a essas metáforas tolas),
e me quedo,
silente.
Se há saída, não sei.
Aliás, não me interessa:
há muito deixei ao acaso
a direção dos meus passos.
V
O que desejo, enfim,
é o sono tranquilo e inocente
dos calhordas.
E acordar sem cansaço ou culpa.
Ou ainda, quando insone,
acender um cigarro
(eu, que nem fumo)
e, pela janela do milésimo andar,
entre uma baforada e outra,
ver a cidade diluir-se
em luzes e abandonos.
E seguir a dança imprecisa
da fumaça
a tecer teu holograma-esfinge,
que se esvai entre meus dedos,
na impossibilidade mesma
do
toque.
Edelson
Nagues
Do livro Águas de clausura
(Scortecci Editora)
4 comentários:
"Por mais que eu percorra desvios, esquinas, becos, outros corpos, sempre volto ao não lugar..." - versos que eternizam o poema na memoria de quem os le. Parabens, Edelson.
Obrigado pela leitura e pelas belas palavras, poetAmigo!
Extasiante... Estou sem palavras para expressar minha catarse após a leitura dessa poesia! Adorei, Edelson!
Valeu, Mario! Mto obrigado, amigo.
Postar um comentário