Hoje, para homenagear todas as crianças (sobretudo aquelas que habitam o coração dos ditos adultos), um singelo texto de cunho infanto-juvenil, o qual escrevi, aproximadamente,
há uns dois anos.
Boa leitura e feliz dia das crianças!
O que você vai ser quando crescer? Essa pergunta sempre martelou na
cabeça da pequena Julieta. Aquele seu tio bigodudo não se cansava de perguntar
isso. Vinha lá da cidade grande, cheio de idéias grandes, e de pança grande.
Seu perfume era de fumaça. “A fumaça da Maria-Fumaça”, ele dizia, com seu
sorriso amarelo.
Julieta aprendeu o significado de
passado com o seu avô. Do presente, ela não sabia. Às vezes, seus pais conversavam
às escondidas, com portas fechadas. Julieta sabia que falavam do presente. Das
dívidas, do cardápio, da escola, do casamento. Julieta observava sua mãe
picando os tomates. Aquele era o presente do tomate, coitado. Mortinho da silva
sobre a tábua. Que presente de grego, esse. Mas ela não sabia nem o que era
grego. O avô só falava dos tempos de outrora, mas Julieta também não sabia o
que era outrora, então, isso pouco importava para ela. Sentado no banco da
praça, olhando fotografias amareladas, o patriarca dizia que era preciso
recordar para viver. Julieta deitava-se em sua cama e ficava horas a fio
tentando recordar. Não conseguia se lembrar de nada ou não tinha nada para
lembrar. O que uma menina pode recordar tendo vivido sete primaveras? Tudo
cheirava a novo, não era amarelado como os dentes do tio bigodudo, e nem tinha
poeira. Aquelas lembranças não podiam ser do passado só porque tinham passado.
Passado é coisa de museu, ou um senhor sentado no banco de uma praça...
Julieta, então, concluiu que não
vivia.
O pai ainda veio dizendo que o Papai Noel estava resfriado e não viria no
Natal. Também pudera aquele monte de neve, de gelo... Ele não se agasalhou
direito. Julieta tentava se consolar com aquela notícia. A menina descobriu da
forma mais triste o que era presente. Presente era o aviso de que não haveria
presente. Sofrer no presente, agora, era o seu maior dilema. Já não vivia porque
não recordava. Abriu o berreiro, sufocando-o com a almofada. O seu pensamento
pulou por cima da cabeça de muitas semanas. Caiu estatelada na noite de Natal e
viu o bom velhinho espirrar. Julieta lhe desejou saúde de presente e pediu que
melhorasse logo, pois, queria aprender a andar de bicicleta.
Tempo, tempo... Julieta estava
confusa com tanto tempo na cabeça. E ainda ouvia seus pais reclamarem pela
falta dele! Triste com o presente, Julieta descobriu o futuro e, todos os dias,
sonhando acordada, ela se transportava para lá. Mil maravilhas estavam à sua
espera. Bonecas imensas, muitos carrosséis, gramas para pisar, livros para ler
de cabo a rabo, bichinhos para cuidar. Pronto, era isso: ela queria brincar de
médica com muitos bichinhos. E quando o tio bigodudo voltou da cidade grande,
ainda mais pançudo, pegou a menina no colo e perguntou o que ela queria ser
quando crescesse, Julieta respondeu, pela primeira vez, com a certeza mais
utópica e adorável que somente as crianças têm: “Quero ser médica de
bichinhos!”.
O tio bigodudo riu alto e anunciou
para a família como se fosse a novidade de um cometa: “Ela quer ser
veterinária!”.
Aquele nome ela não sabia o que era.
Só sabia que era um nome feio de doer. Desistiu de ser aquilo, e passou a
observar as estrelas. Decidiu que ia viajar pelo espaço sideral e pular corda
na lua. Daí em diante, Julieta só pensava nos dias que estavam por vir. Agora
sabia responder, na ponta da língua, a pergunta incansável do tio bigodudo. E
esse tio ensinou para Julieta que só na cidade grande se crescia. Julieta pediu
de presente uma casa na cidade grande. Mas o presente... O presente insistia em
estar, e nunca chegar. Chegou o Natal. Papai Noel deixou a bicicleta na sala.
Como ele entrou Julieta não entendeu, pois não havia chaminé em sua casa.
Julieta não sorriu diante do presente de Natal. Era uma menina infeliz. Não ia aprender
andar de bicicleta, tampouco ia escrever diário. Julieta queria mesmo era o
futuro de presente.
2 comentários:
Uma metáfora meiga e triste. Crianças que convivem desde cedo com a realidade. Texto sensível.
Obrigado pelo seu comentário, Cinthia! Beijos! ;)
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