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segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Jennifer

Não sei manejar bem as palavras, seu moço. Sou de origem humilde, minhoca da terra, lá de Campos, o moço conhece? Zona rural, uma desgraceira só. Foi a mãe do seu Benito que me trouxe pra cá. Prometeu estudo, salário, quase vida de princesa. Eu só tinha em troca que cuidar dos netos dela. Babá. Tudo mentira da grossa. Trabalhei que nem moura. Seu Benito me disse uma vez que a mãe pagou quinhentos contos pros meus pais na intenção de me levar. Uma coisa, comprada feito uma galinha de fundo de quintal. Ninharia, né? Idade? Eu tinha quinze, foi há algum tempinho sim. Cheguei aqui, cidade grande, aqueles prédios arranhando os céus, depois eu soube que o povo daqui chamava assim mesmo: arranha-céu. Bonito, não? Fiquei encantada e achei tudo uma festa. Tava pensando em progredir, terminar a escola, fazer curso de computação, qual! Mal botei meus pés nessa terra e já começou a exploração. Dona Paula, mulher do seu Benito, não queria nada com a lida. Vivia de academia, a malandra. Ficou com um corpo lindo, a danada. Esculpida. Parecia uma estátua dessas de mármore que a gente vê nos museus. Não, eu nunca entrei em um. Já vi em filmes na TV e nos filmes os museus são cheios de estátuas com o corpo da dona Paula. Eu cuidava das crianças. Duas pestes, sem um pingo de educação. A mãe não deu, não tinha tempo, tinha que “malhar”. Lá em Campos a gente só malha Judas em Sábado de Aleluia. Tá rindo? Você é engraçado, seu moço. Mas, como eu tava te falando, se fosse só tomar conta das pestes eu até que aguentava, mas dona Paula me colocava pra arrumar casa, cozinhar, levar o cachorro pra passear, dar banho, fazer mercado. E ela na malhação. Salário? Cinquenta pratas por mês, um cala boca. Folga? Vez por outra, quando dava na telha deles.
Quando eu tava com um ano de casa e ia levando a vida do jeito que Deus queria, o seu Benito começou com umas ideias estranhas pra cima de mim. Começou quando ele perdeu o emprego e passou a ficar mais em casa. Sempre que dona Paula ia malhar e eu tava na cozinha ele achava uma desculpa para entrar lá e como a cozinha era apertada, engraçado né, os arranha-céus são tão grandes por fora e uns ovo por dentro, na roça a gente vivia em casa grandona, como a cozinha era apertada ele passava e se encostava em mim, com umas más intenções que o moço já sabe. Eu fugia do cabra feito diabo da cruz. Diabo tem medo de alho também, sabia? Vi num filme. É Vampiro? Mas eu escapava. Ele disse que eu tava fazendo doce, que mais dia, menos dia, alguém ia me arrancar os tampos mesmo e que fosse com um cara perfumado como ele.

Pois é, moço. Aturei quase dois anos esse negócio. Se dona Paula desconfiava eu não sei. Só sei que ela tinha outro, ouvi uma vez ela toda se derretendo no telefone, pedindo pra voz do outro lado chamar ela de cadela. Seu Benito devia saber, o corno manso. E acho que ele queria se vingar de dona Paula comigo. Ela era bonitona e eu esta porcaria que você tá vendo. Sou não, me acho feia, mas fico agradecida. O moço além de engraçado é gentil. Mas deixa eu te dizer como foi que aconteceu. No dia que eu fiz dezoito anos e virei dona do meu nariz, piquei a mula e fui embora. Só de vingança, levei o cachorro pra passear, deixei ele fugir e botei pé no mundo também. Seu Benito gostava mais do Frank, era o nome do cachorro, do que dos filhos dele. Então eu soltei o Frank e vim direto pra cá. Já tinha visto o anúncio no jornal e só não vim antes porque era de menor. Madame Paula, é, o mesmo nome da minha ex-patroa, me recebeu muito bem e me deu um banho de loja. Leiloou o meu cabaço por quinhentos contos. Não ria não, seu moço, recebi metade na empreitada. Tô no lucro. Seu Benito ia me comer de graça, não é verdade? Agora eu tô aqui. Ao menos eu me divirto e ganho um bom dinheirinho. Meu nome? Jennifer. Claro que é de guerra mas, agora que o moço provou dos meus chamegos e, pela cara parece que gostou, quem sabe volta pra repetir, vira cliente e eu digo o nome que tá na certidão de nascimento?

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Zulmar Lopes
Carioca, jornalista, contista e aspirante a romancista, Zulmar Lopes tem um punhado de prêmios literários, a maioria de nenhuma importância. Membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (ACL). Roteirista do curta de animação “Chapeuzinho Adolescente”. Em 2011 lançou o livro de contos “O Cheiro da Carne Queimada”. Finalmente concluiu o maldito romance cujo pano de fundo é o carnaval carioca e está na expectativa de que alguma editora incauta se atreva a publicá-lo.
todo dia 21


1 comentários:

São tantas, tantas iguais por este Brasil arcaico. Vendidas, exploradas, prostituídas. Ponto. Espero que não final.

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