Viviane chegou tarde no flat do namorado, ou namorido, ou eterno noivo, sei lá,
esses nomes que classificam relações que se arrastam, semissérias e semi “vai levando”,
onde os casais moram em casa separadas e vivem para lá e para cá com sacolas entulhadas
de mudas de roupas ligeiras e pertences utilitários, dependendo do que se vai fazer à noite.
E naquela noite, mochila a tiracolo, cabelos soltos ainda cheirando a xampu de maçã,
vestidão de verão, sandália rasteira em seus pezinhos bem feitos e animados,
Vivi tinha saído às pressas de uma happy hour com o pessoal da academia,
onde à terceira caipivodka de frutas vermelhas percebeu que era hora de ir embora.
Pobre caipivodka. Levou uma culpa que não era sua.
Na verdade, o encontro tinha sido perturbador e Vivi precisava sair antes que uma surpresa
acontecesse, mesmo que inconscientemente muito bem vinda. Estava esbaforida e encalorada.
Ao enfiar a chave na porta, percebeu um silêncio no apartamento. Nada de música alta ou televisão
ligada, indícios de que Lourenço já estaria dormindo ou teria saído não se sabe para onde.
Tirou as sandálias, entrou pé ante pé. Fez uma varredura pela sala e supôs, pelas latas de cerveja
na beira do sofá, que o namorado, ou namorido ou eterno noivo estaria derrubado. E assim
o encontrou de bruços na cama, short largo e sem camisa, exibindo a meia luz seu dorso seminu,
onde suas escápulas abertas e alinhadas suscitavam uma massagem relaxante e consequente.
Vivi levantou o vestidão e tirou a calcinha. Abriu as pernas, montou na lombar de Lourenço,
descendo seu tórax como uma bailarina agradecida, beijando a nunca do namorado,
roçando contra aqueles quadris morenos a pelúcia suave do seu sexo úmido de bordas e
detalhes intumescidos, pincelando seus seios de bicos rijos e delicados sobre as costas
másculas ali dispostas, dedilhando a mão direita em direção ao interior do short,
bem na parte encostada nos lençóis. Encontrou o que queria.
Os movimentos de mão e pélvis se aceleraram progressivamente, Lourenço soltou um gemido
ressonante. Embora dormisse e continuasse de bruços, sua anatomia reagiu ao estímulo
como por instinto. E Vivi prosseguiu o passeio, ocupando sua mão com um calor cada vez
mais pulsante e receptivo, até que - surpresa fora de hora - sentiu um transbordar quente,
espesso e melado entre os dedos, seguindo de um suspiro derradeiro.
- Pô, Lourenço. Por que você não me esperou?
- Esperou o quê, Vivi? Estava com sono. Aliás, estou com sono.
Viviane virou-se na cama, mal enxugou a mão no lençol e mirou o teto.
O lustre estava apagado, mas as luzes dos carros esparsos na rua entravam pelas frestas
da persiana produzindo um desenho animado de sombras que não a deixava dormir.
Pobres luzes, pobres frestas, pobres sombras, pobre desenho animado. Levaram uma culpa injusta.
Na verdade, Vivi estava perturbada com a mistura de sensações ocorridas no happy hour,
muito além das frutas vermelhas espremidas na vodka. E de olho pregado no teto, tomou coragem,
cutucou Lourenço.
- Lourenço, acorda. Precisamos conversar.
- Hummmmpf.
- Lourenço, é sério, é importante.
- Hummmmpf.
- Lourenço, me ouve: está acontecendo uma coisa comigo.
Começou como brincadeira, a coisa foi tomando jeito e hoje eu percebi que não é brincadeira não.
- Hummmmpf.
- Cheguei cheia de tesão, tentando espairecer, mas confundi tudo, acho que tentei usar você,
mas não consigo pensar em outra coisa…
Lourenço sentou-se na cama. Passou a mão nos cabelos desgrenhados,
esfregou olhos e testa como uma esponja numa superfície encrostada.
- Vivi, que falta de sensibilidade! O Campeonato Brasileiro pegando fogo,
meu time à beira do rebaixamento e você numa semana dessas querendo discutir a relação?
Viviane respirou fundo. Vestiu a calcinha, o vestidão de verão, calçou a sandália rasteira.
Foi ao banheiro, lavou mãos ainda com resquícios grudentos, passou sabonete no rosto e um batom.
Paralisou um instante diante do espelho, ajeitou o cabelo e gostou do que viu.
Pegou a mochila, deu a última espiada no apartamento. Despediu-se da sala, do quarto em penumbras,
do dorso de Lourenço, que voltou a dormir de bruços, e das escápulas sem mais sentido.
Simbolicamente deixou a chave na mesinha ao lado do sofá. E saiu pela madrugada cor de rosa,
pensando, sentindo, com vontade de chorar, com vontade de ligar para as amigas.
Não sabia direito se estava triste com a certeza de um fim. Ou feliz pelos caminhos que se abriam.
domingo, 20 de outubro de 2013
Falta de sensibilidade
por José Guilherme Vereza
1 comentário
1 comentários:
Em que momento acontece o fim? Com certeza, não no final. Muita sensibilidade e sutileza na condução desse assunto.
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