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quinta-feira, 24 de outubro de 2013

CRÔNICAS LONDRINAS – PARTE I

AEROPORTO HEATHROW

    ― Qual o propósito de sua vinda à Inglaterra?
    ― Uma conferência.
    ― Conferência de quê?
    ― Escritores.
   Nisto a funcionária da Imigração olhou-me desconfiada. Com toda a razão. Escritores reunidos? Perigosíssimo. Risco de bomba, até. E para certificar-se de que eu não representava nenhuma ameaça ao bem-estar do povo britânico, exigiu:
    ― Mostre-me alguma prova de que o senhor é realmente escritor.
   Temi. Uma vez que pertencemos a um grupo de seres inclassificáveis, não me ocorreu, de imediato, nenhuma resposta plausível a essa pergunta. Ainda assim, resolvi arriscar:
    ― Tenho... um livro... aqui, comigo... mas...
    ― Mas o quê? – falou-me num tom intimidador.
    ― Está em Português.
   E logo percebi que fora um erro mencionar o idioma. Isso aumentou-lhe a irritação. Português? Não havia uma língua, digamos, mais economicamente desenvolvida para escrever? – ela deve ter pensado no momento. Não obstante, decidiu ser complacente:
    ― Tem sua foto no livro?
    ― Tem.
    ― É sobre o quê?
    ― Contos curtos.
    ― Não é romance?
    ― Infelizmente, não...
  Mostrei-lhe, então, minha singela obra. Ela folheou com um ar de desdém e, em seguida, devolvendo-ma, continuou o interrogatório:
   ― Pretende ficar aqui quantos dias?
   Dessa vez, senti-me um pouco mais aliviado. Se ela já estava me perguntando sobre o período de estada no país era porque, pelo menos, eu poderia entrar. E, sorrindo, respondi: 
   ― Quatro. No sábado, retorno.
   Outro erro. Não se deve sorrir para um funcionário de Imigração. 
   ― Por que o sorriso, senhor?
   ― Nada, não, senhora... – disse-lhe balbuciante. – Só estou feliz, pois sempre sonhei visitar a Inglaterra...
   Ela permaneceu olhando-me, séria. E, por fim, torcendo o nariz, liberou-me; não sem antes atirar-me esta:
   ― Espero que da próxima vez o senhor traga um romance... em inglês! Bem-vindo, senhor. – e, devolvendo-me o passaporte carimbado, fez sinal para que eu caminhasse rápido.
  Obedeci, claro, querendo livrar-me logo daquilo e retirar minha bagagem. E, enquanto caminhava, juro, ainda olhei para trás, temeroso de estar sendo seguido.
   Sei lá... E se existisse alguma lei inglesa proibindo a entrada de microcontistas e a polícia já havia sido acionada?
    Da próxima vez – disse comigo, enquanto acelerava o passo –, levaria um romance publicado. Em inglês.

***

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Edweine Loureiro
Nasceu em Manaus em 20/09/1975. É advogado, professor de Literatura e Idiomas, e reside no Japão desde 2001. Em 2005, obteve o Mestrado em Política Internacional pela Universidade de Osaka (Japão). Premiado em diversos concursos literários, é autor dos livros: Sonhador Sim Senhor! (Ed. Litteris, 2000), Clandestinos [e outras crônicas] (Clube de Autores, 2011) e Em Curto Espaço (Ed. Multifoco, Selo 3x4, 2012). É membro-correspondente da Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências (RJ) e da Academia de Letras de Nordestina (BA).
todo dia 24


8 comentários:

Um mimo esse texto! Leve, gostoso, divertido. Ser escritor é complicado mesmo, né? Da próxima vez, leve seu romance (que você já devia estar escrevendo) e traduzido! Hahahaha! Adorei!

Bom dia, amiga Cinthia. Rs... Vou seguir os conselhos a risca, amiga. Rs... proxima vez, so desembarco levando um romance (rs) Que bom que gostou: feliz mesmo. Beijao, amiga.

"Is there any other language for Literature besides English?"

Isto deve ter sido uma epifania para a oficial de imigração...

TEXTO ADORÁVEL, AMIGO!
E CONTINUE ESCREVENDO SUAS CRÔNICAS. SÃO MARAVILHOSAS .
ABRAÇOS
LENIR MOURA

Obrigado, amigo Leninha. Obrigado pelo carinho. :)

Adorei ler a crônica, caro Edweine! Ansioso pela próxima! Grande abraço, Mario Filipe Cavalcanti.

Obrigado, amigo Mario. Feliz que tenha gostado, amigo. Um grande abraco poetico. :)

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