AEROPORTO HEATHROW
― Qual o propósito de sua vinda à Inglaterra?
― Uma conferência.
― Conferência de quê?
― Escritores.
Nisto a funcionária da Imigração olhou-me desconfiada. Com toda a razão. Escritores reunidos? Perigosíssimo. Risco de bomba, até. E para certificar-se de que eu não representava nenhuma ameaça ao bem-estar do povo britânico, exigiu:
― Mostre-me alguma prova de que o senhor é realmente escritor.
Temi. Uma vez que pertencemos a um grupo de seres inclassificáveis, não me ocorreu, de imediato, nenhuma resposta plausível a essa pergunta. Ainda assim, resolvi arriscar:
― Tenho... um livro... aqui, comigo... mas...
― Mas o quê? – falou-me num tom intimidador.
― Está em Português.
E logo percebi que fora um erro mencionar o idioma. Isso aumentou-lhe a irritação. Português? Não havia uma língua, digamos, mais economicamente desenvolvida para escrever? – ela deve ter pensado no momento. Não obstante, decidiu ser complacente:
― Tem sua foto no livro?
― Tem.
― É sobre o quê?
― Contos curtos.
― Não é romance?
― Infelizmente, não...
Mostrei-lhe, então, minha singela obra. Ela folheou com um ar de desdém e, em seguida, devolvendo-ma, continuou o interrogatório:
― Pretende ficar aqui quantos dias?
Dessa vez, senti-me um pouco mais aliviado. Se ela já estava me perguntando sobre o período de estada no país era porque, pelo menos, eu poderia entrar. E, sorrindo, respondi:
― Quatro. No sábado, retorno.
Outro erro. Não se deve sorrir para um funcionário de Imigração.
― Por que o sorriso, senhor?
― Nada, não, senhora... – disse-lhe balbuciante. – Só estou feliz, pois sempre sonhei visitar a Inglaterra...
Ela permaneceu olhando-me, séria. E, por fim, torcendo o nariz, liberou-me; não sem antes atirar-me esta:
― Espero que da próxima vez o senhor traga um romance... em inglês! Bem-vindo, senhor. – e, devolvendo-me o passaporte carimbado, fez sinal para que eu caminhasse rápido.
Obedeci, claro, querendo livrar-me logo daquilo e retirar minha bagagem. E, enquanto caminhava, juro, ainda olhei para trás, temeroso de estar sendo seguido.
Sei lá... E se existisse alguma lei inglesa proibindo a entrada de microcontistas e a polícia já havia sido acionada?
Da próxima vez – disse comigo, enquanto acelerava o passo –, levaria um romance publicado. Em inglês.
***
8 comentários:
Um mimo esse texto! Leve, gostoso, divertido. Ser escritor é complicado mesmo, né? Da próxima vez, leve seu romance (que você já devia estar escrevendo) e traduzido! Hahahaha! Adorei!
Bom dia, amiga Cinthia. Rs... Vou seguir os conselhos a risca, amiga. Rs... proxima vez, so desembarco levando um romance (rs) Que bom que gostou: feliz mesmo. Beijao, amiga.
"Is there any other language for Literature besides English?"
Isto deve ter sido uma epifania para a oficial de imigração...
rs... It's true, Henry! :)
TEXTO ADORÁVEL, AMIGO!
E CONTINUE ESCREVENDO SUAS CRÔNICAS. SÃO MARAVILHOSAS .
ABRAÇOS
LENIR MOURA
Obrigado, amigo Leninha. Obrigado pelo carinho. :)
Adorei ler a crônica, caro Edweine! Ansioso pela próxima! Grande abraço, Mario Filipe Cavalcanti.
Obrigado, amigo Mario. Feliz que tenha gostado, amigo. Um grande abraco poetico. :)
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