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sábado, 21 de setembro de 2013

O Sósia

Tratava-se de um cidadão comum. Tão comum que invariavelmente pessoas com quem nunca havia esbarrando o confundiam pelas ruas.
 “Você não é o primo do Valério, que trabalha na Prefeitura?”
“Calisto! Há quanto tempo!”
 Alguns aceitavam sua negativa, cobrindo-lhe de desculpas.
“A senhora deve estar fazendo confusão com outra pessoa.”
 “Não, meu nome não é Calisto.”
Outros, desconfiados, seguiam seus caminhos aborrecidos, creditando soberba a recusa da confirmação de uma suposta identidade. Essas confusões acerca da sua fisionomia causavam-lhe desconforto. Seria um tipo bastante ordinário para ter o rosto associado ao de tanta gente? Procurava respostas toda manhã mirando o espelho após o despertar. A imagem refletiva exibia uma face despida de qualquer atrativo e o conjunto era insípido. Durante anos procurou modificar a mesmice, ora adicionado, ora livrando-se da barba. Tentava ainda inúmeras combinações com o bigode, cavanhaque ou costeletas.  Modificava sobrancelhas e o corte de cabelo sem resultados. Nas ruas sempre havia alguém atribuindo seu rosto ao de outra pessoa.
Encarava com certo desânimo, leve tormento até, a insólita situação até o dia em que, confundido com certo ator da moda do qual nunca ouvira falar, foi rebocado para a cama de uma fã. Entre gozos e gemidos, admitiu ser quem não era.
Entusiasmado com a prazerosa experiência, decidiu então atirar pela janela os escrúpulos e iniciar particular desafio. Colecionaria cem sósias, cem faces iguais a sua. Uma cópia que nunca seria apresentada aos seus originais. Nem necessitava: proprietário daquele rosto bizarramente vulgar, o mesmo era a síntese de todos aqueles por quem se passaria. Também não forçaria possibilidades, afinal, partiria sempre do outro o reconhecimento. Seria sim um impostor, ainda que involuntário,
Em um caderninho, anotava quando o confundiam. Foi Genésio, Orlando, Alfredo, Marcelo, Carlos, Toninho, Fernando, Roberto, Zé, Lucas, Diego, Durval, Maurício, Bruno, Vargas, Cleber, Montenegro, Julião, Barroso, Alexandre, Humberto, Matheus, Luis Cláudio, Andrezinho, Pedro, Gustavo, Demétrio, Celsinho, Ferdinando, Everaldo, Zacarias, Márcio, Júnior, Vasconcellos, Felipe, Filipe, Jonatas, Emerson, Miguel, Cosme, Damião, Ricardo, Geraldo, Wilson, Norberto, Bechara, João Victor, Amadeu, Nelson, Haroldo, Alberto, Zenóbio, Cristiano, Eduardo, Francisco, Adriano, Juvenal, Giovani, Laércio, Fábio, Clemente, Anderson, Clayton, Jurandir, Ronaldo, Rodrigo, Ulisses, Dionisio, Cabrera, Augusto, Érico, João Baptista, Lopes, Ignácio, Jairo, Abraão, Nilson, Sebastião, Henrique, Lineu, Betinho, Túlio, Roberval, Joel, Almir, Diogo, Patrício, Magno, Elimar, Américo, Teófilo, Lauro, Samuel, Éverton, Cassiano, Marco Aurélio, Douglas, Otávio e Leverkurdison, sim, Leverkurdison.
O centésimo equivocado o abordou no interior de um boteco próximo à sua casa. Cara amarrada, o homem questionou se o impostor dele guardava lembrança.
“Não me recordo. E o senhor? Me conhece?”
A resposta chegou por intermédio dos tiros que atingiram sua face desfiguraram-lhe o rosto. Velório de caixão fechado, tal o estrago provocado pelos projéteis. Agora sem rosto, sete palmos abaixo da terra, nunca soube o nome de seu centésimo sósia.
Graças à incrível semelhança, Noronha, atuante estelionatário, livrara-se das balas a ele originariamente encomendadas e continua por aí, aplicando um sem número de golpes. Era absurda a quantidade de disfarces e documentos falsos que Noronha utilizava. Nunca foi descoberto.


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Zulmar Lopes
Carioca, jornalista, contista e aspirante a romancista, Zulmar Lopes tem um punhado de prêmios literários, a maioria de nenhuma importância. Membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (ACL). Roteirista do curta de animação “Chapeuzinho Adolescente”. Em 2011 lançou o livro de contos “O Cheiro da Carne Queimada”. Finalmente concluiu o maldito romance cujo pano de fundo é o carnaval carioca e está na expectativa de que alguma editora incauta se atreva a publicá-lo.
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