Tratava-se
de um cidadão comum. Tão comum que invariavelmente pessoas com quem nunca havia
esbarrando o confundiam pelas ruas.
“Você não é o primo do Valério, que trabalha
na Prefeitura?”
“Calisto!
Há quanto tempo!”
Alguns aceitavam sua negativa, cobrindo-lhe de
desculpas.
“A
senhora deve estar fazendo confusão com outra pessoa.”
“Não, meu nome não é Calisto.”
Outros,
desconfiados, seguiam seus caminhos aborrecidos, creditando soberba a recusa da
confirmação de uma suposta identidade. Essas confusões acerca da sua fisionomia
causavam-lhe desconforto. Seria um tipo bastante ordinário para ter o rosto
associado ao de tanta gente? Procurava respostas toda manhã mirando o espelho
após o despertar. A imagem refletiva exibia uma face despida de qualquer
atrativo e o conjunto era insípido. Durante anos procurou modificar a mesmice,
ora adicionado, ora livrando-se da barba. Tentava ainda inúmeras combinações
com o bigode, cavanhaque ou costeletas.
Modificava sobrancelhas e o corte de cabelo sem resultados. Nas ruas
sempre havia alguém atribuindo seu rosto ao de outra pessoa.
Encarava
com certo desânimo, leve tormento até, a insólita situação até o dia em que,
confundido com certo ator da moda do qual nunca ouvira falar, foi rebocado para
a cama de uma fã. Entre gozos e gemidos, admitiu ser quem não era.
Entusiasmado
com a prazerosa experiência, decidiu então atirar pela janela os escrúpulos e
iniciar particular desafio. Colecionaria cem sósias, cem faces iguais a sua.
Uma cópia que nunca seria apresentada aos seus originais. Nem necessitava:
proprietário daquele rosto bizarramente vulgar, o mesmo era a síntese de todos
aqueles por quem se passaria. Também não forçaria possibilidades, afinal,
partiria sempre do outro o reconhecimento. Seria sim um impostor, ainda que
involuntário,
Em
um caderninho, anotava quando o confundiam. Foi Genésio, Orlando, Alfredo,
Marcelo, Carlos, Toninho, Fernando, Roberto, Zé, Lucas, Diego, Durval,
Maurício, Bruno, Vargas, Cleber, Montenegro, Julião, Barroso, Alexandre,
Humberto, Matheus, Luis Cláudio, Andrezinho, Pedro, Gustavo, Demétrio,
Celsinho, Ferdinando, Everaldo, Zacarias, Márcio, Júnior, Vasconcellos, Felipe,
Filipe, Jonatas, Emerson, Miguel, Cosme, Damião, Ricardo, Geraldo, Wilson,
Norberto, Bechara, João Victor, Amadeu, Nelson, Haroldo, Alberto, Zenóbio,
Cristiano, Eduardo, Francisco, Adriano, Juvenal, Giovani, Laércio, Fábio,
Clemente, Anderson, Clayton, Jurandir, Ronaldo, Rodrigo, Ulisses, Dionisio,
Cabrera, Augusto, Érico, João Baptista, Lopes, Ignácio, Jairo, Abraão, Nilson,
Sebastião, Henrique, Lineu, Betinho, Túlio, Roberval, Joel, Almir, Diogo,
Patrício, Magno, Elimar, Américo, Teófilo, Lauro, Samuel, Éverton, Cassiano,
Marco Aurélio, Douglas, Otávio e Leverkurdison, sim, Leverkurdison.
O
centésimo equivocado o abordou no interior de um boteco próximo à sua casa.
Cara amarrada, o homem questionou se o impostor dele guardava lembrança.
“Não
me recordo. E o senhor? Me conhece?”
A
resposta chegou por intermédio dos tiros que atingiram sua face
desfiguraram-lhe o rosto. Velório de caixão fechado, tal o estrago provocado
pelos projéteis. Agora sem rosto, sete palmos abaixo da terra, nunca soube o
nome de seu centésimo sósia.
Graças
à incrível semelhança, Noronha, atuante estelionatário, livrara-se das balas a
ele originariamente encomendadas e continua por aí, aplicando um sem número de
golpes. Era absurda a quantidade de disfarces e documentos falsos que Noronha
utilizava. Nunca foi descoberto.
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