A Civilização Brasileira, honrando o próprio nome, acabou de lançar Terra Mátria: a família de Thomas Mann e o Brasil, de Karl-Josef Kuschel, Frido Mann (neto de Thomas) e Paulo Astor Soethe. Curiosamente, o livro parece ter passado despercebido pela imensa maioria dos jornais brasileiros - exceção à Folha de S. Paulo, pelo menos até onde sei. Este fato diz muito sobre a situação da cultura literária no Brasil. E o livro mostra que já fomos maiores.
Os autores partem da mãe de Thomas e Heinrich, Julia da Silva-Bruhns. Filha de alemão de Lubeck, e de brasileira, Julia, "nascida na floresta, foi transplantada para a Alemanha", como deixam claro os autores. Ainda bem criança, deixou o paraíso tropical após ter perdido a mãe, e acabou morando no norte alemão. Converteu-se ao protestantismo, sentiu saudades da língua portuguesa. Como diria a nora Katia, esposa de Thomas, "um pássaro estrangeiro".
E o livro trata de mostrar a influência desta conexão entre a cidade hanseática e o "sul" na obra não apenas de Thomas, como também de Heinrich, Klaus e do próprio Frido. Em Os Buddenbrook, A Montanha Mágica (sim, confesso: não li) e em As Confissões do Impostor Felix Krull, será possível identificar diversos aspectos da personalidade e da vida de Julia, nos mais diversos personagens. E não ignora a mudança radical de um Thomas nacionalista na Primeira Guerra para aquele que todos conhecemos - escrevendo e conclamando os alemães, pelo rádio, a derrubar Hitler.
Mas além deste interessante estudo da vida e da obra dos escritores da família, há um outro aspecto: os autores tratam das relações entre os Mann, os diversos intelectuais brasileiros (como Érico Veríssimo e Sérgio Buarque de Holanda) e estrangeiros que acabaram parando nesta "floresta": Stefan Zweig, evidentemente, ganha um papel destacado, bem como Herbert Caro e Otto Maria Carpeaux. Figuras um tanto esquecidas, como o editor Koogan, da Guanabara, e Anatol Rosenfeld, ressurgem ao longo das pouco mais de trezentas páginas. Por outro lado, também examina o romance de João Silvério Trevisan, Ana em Veneza.
Finalmente, como que para coroar o trabalho dos autores - e da edição: um anexo, com um apanhado da correspondência entre Julia e o filho Heinrich (Ah! Pudera eu ainda usar minha língua materna); as cartas de Zweig a Klaus Mann e de Thomas a Caro (Embora aqui nos Estados Unidos a repercussão do Magic Mountain tenha sido muito maior que a do Buddenbrook, eu também estou convencido, como o senhor, de que o romance burguês seja mais acessível para um público sul-americano, literariamente talvez menos preparado).
Coincidentemente, o livro sai num momento em que os livros do Paulo Rónai são reeditados. O autor daquela que é considerada a melhor edição de A Comédia Humana fora da França conta como vivia na Europa e como veio parar por aqui, no contexto da Segunda Guerra. Carpeaux, Caro, Rosenfeld - todos vieram para cá nesta época. Os Mann partiram para os Estados Unidos - Frido, neto de Thomas, é californiano. A globalização dos anos 30/40 foi, neste aspecto, bem mais profícua para nós que a do início do século XXI.
1 comentários:
Herbert Caro, pouquíssimo citado, foi dos maiores tradutores da então excelente editora gaúcha - Globo - depois absorvida pelas organizações da família Marinho. Sobre T.M. , suas duas maiores obras Doutor Fausto (cuja gênese foi descrita pelo autor em um diário publicado há tempos em português) e a pouco considerada pelos críticos - Jose e seus irmãos. Hoje, TM é um autor esquecido, tal como os autores das grandes (também em paginas) obras dos secs XIX e XX. E.
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