Não há dúvida: o traçado do urbanista e o traço do arquiteto são
motivo de festa para os brasilienses. Há, ainda, a festa para os
olhos que é o céu de Brasília – céu de um azul tão celestial
que “quase arromba a retina de quem vê” (Chico Buarque). E tem a
festa do cinema brasileiro. E tem a festa da chegada da primavera. É
dessa última festa que quero falar. Para falar dela, no entanto,
preciso falar do antes da festa.
Agosto. A seca na sua máxima plenitude. Chuva nenhuma, umidade
baixíssima, horizonte enfumaçado, verde quase nenhum – o típico
clima de deserto. Só o que se espera é a festa da chegada da
primavera. Enquanto a primavera não chega, tome horizonte
enfumaçado, tome verde nenhum, tome tonturas por causa da baixa
umidade, tome desconforto térmico. Há quem estranhe e sofra
bastante com as inclemências próprias de um clima de deserto. Eu,
nem tanto. Tenho apenas ligeiras dores de cabeça, alguma tontura,
além do desconforto em si que provoca a falta de umidade.
Pra não dizer que é tudo desolação, a natureza regala-nos justo
nessa época com a floração majestosa dos ipês. Até a natureza
vegetal tem seus caprichos. Os ipês, para melhor cumprirem o ofício
da beleza, explodem suas cores no momento em que tudo em volta está
cinza, fosco... Ao vê-los floridos o deslumbramento é tal que a
gente se pergunta: “De onde surgiu esse rosa tão perfeitamente
róseo, esse branco tão lácteo, esse amarelo tão girassol?” E
com essa estratégia de sedução o que ipês querem é
multiplicar-se. Como? Fazendo brotar nos humanos o desejo de
espalhá-los mais e mais. Diante da consumada beleza com que já nos
seduziram, é claro que vamos querer mais deles florindo na paisagem,
ainda mais se for uma paisagem árida como a de Brasília nessa
quadra do ano.
O calendário humano estabelece em 23/9 o início da primavera. A
primavera mesma, por sua vez, obedece apenas ao seu próprio e
imperscrutável calendário. Até
que a primavera chegue pra valer (ainda não chegou), os
candangos todos temos de nos conformar com uma espécie de hibernação
visual, tão desoladora fica a paisagem. Ah, mas quando caem as
primeiras águas e o verde começa a impor sua majestade à paisagem,
ressurgindo em toda a sua gala vegetal, celebramos todos a volta
daquele que foi apenas para poder voltar, de novo e sempre!! É um
espetáculo monumental. Chego a dizer que o verde é a maior das
catedrais de Brasília.
Quando a primavera se instala é uma festa só. Aí é esperar pelo
momento da terra rir pelas flores, é ver a primavera cumprir seu
ofício de explodir em cores a paisagem, devolvendo-nos a beleza que
a secura furtou, por longo estio, de nossos olhos. É bem verdade
que, humanos distraídos, esquecemo-nos de apreciar essas belezas sem
dono, esse milagre cotidiano com que a natureza nos regala. Urbanos
apressados, ambulantes presos em certas gaiolas metálicas sobre
rodas, nossos fatigados olhos pouco se espantam com o espetáculo da
beleza gratuita. E assim vamo-nos distanciado da dimensão telúrica
que nos envolve, vamos perdendo o elo com a nossa identidade
primordial. Quero crer que os anos de cidade grande não tenham me
roubado, ainda, o pasmo essencial que sinto diante do belo na
natureza.
É por isso que não vejo a
hora de a primavera chegar de vez, não vejo a hora da festa
re-começar. Sonho com Brasília em festa, bordada de verde por todos
os lados.
* * *
PSiu: No próximo dia
11/10/2013, a partir das 18h30, estarei lançando meu primeiro livro.
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1 comentários:
«O calendário humano estabelece em 23/9 o início da primavera.» - aqui começa a 21/3.
Sempre supus que o inverno em Brasília fosse como em Portugal - frio e muito húmido. Fico a saber que é seco, mas suponho que também frio.
Boa crónica: percebe-se o contraste de estações e de humores.
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