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sábado, 28 de setembro de 2013

Brasília em festa


Não há dúvida: o traçado do urbanista e o traço do arquiteto são motivo de festa para os brasilienses. Há, ainda, a festa para os olhos que é o céu de Brasília – céu de um azul tão celestial que “quase arromba a retina de quem vê” (Chico Buarque). E tem a festa do cinema brasileiro. E tem a festa da chegada da primavera. É dessa última festa que quero falar. Para falar dela, no entanto, preciso falar do antes da festa.

Agosto. A seca na sua máxima plenitude. Chuva nenhuma, umidade baixíssima, horizonte enfumaçado, verde quase nenhum – o típico clima de deserto. Só o que se espera é a festa da chegada da primavera. Enquanto a primavera não chega, tome horizonte enfumaçado, tome verde nenhum, tome tonturas por causa da baixa umidade, tome desconforto térmico. Há quem estranhe e sofra bastante com as inclemências próprias de um clima de deserto. Eu, nem tanto. Tenho apenas ligeiras dores de cabeça, alguma tontura, além do desconforto em si que provoca a falta de umidade.

Pra não dizer que é tudo desolação, a natureza regala-nos justo nessa época com a floração majestosa dos ipês. Até a natureza vegetal tem seus caprichos. Os ipês, para melhor cumprirem o ofício da beleza, explodem suas cores no momento em que tudo em volta está cinza, fosco... Ao vê-los floridos o deslumbramento é tal que a gente se pergunta: “De onde surgiu esse rosa tão perfeitamente róseo, esse branco tão lácteo, esse amarelo tão girassol?” E com essa estratégia de sedução o que ipês querem é multiplicar-se. Como? Fazendo brotar nos humanos o desejo de espalhá-los mais e mais. Diante da consumada beleza com que já nos seduziram, é claro que vamos querer mais deles florindo na paisagem, ainda mais se for uma paisagem árida como a de Brasília nessa quadra do ano.

O calendário humano estabelece em 23/9 o início da primavera. A primavera mesma, por sua vez, obedece apenas ao seu próprio e imperscrutável calendário. Até que a primavera chegue pra valer (ainda não chegou), os candangos todos temos de nos conformar com uma espécie de hibernação visual, tão desoladora fica a paisagem. Ah, mas quando caem as primeiras águas e o verde começa a impor sua majestade à paisagem, ressurgindo em toda a sua gala vegetal, celebramos todos a volta daquele que foi apenas para poder voltar, de novo e sempre!! É um espetáculo monumental. Chego a dizer que o verde é a maior das catedrais de Brasília.

Quando a primavera se instala é uma festa só. Aí é esperar pelo momento da terra rir pelas flores, é ver a primavera cumprir seu ofício de explodir em cores a paisagem, devolvendo-nos a beleza que a secura furtou, por longo estio, de nossos olhos. É bem verdade que, humanos distraídos, esquecemo-nos de apreciar essas belezas sem dono, esse milagre cotidiano com que a natureza nos regala. Urbanos apressados, ambulantes presos em certas gaiolas metálicas sobre rodas, nossos fatigados olhos pouco se espantam com o espetáculo da beleza gratuita. E assim vamo-nos distanciado da dimensão telúrica que nos envolve, vamos perdendo o elo com a nossa identidade primordial. Quero crer que os anos de cidade grande não tenham me roubado, ainda, o pasmo essencial que sinto diante do belo na natureza.

É por isso que não vejo a hora de a primavera chegar de vez, não vejo a hora da festa re-começar. Sonho com Brasília em festa, bordada de verde por todos os lados.

                                                                        * * * 
PSiu: No próximo dia 11/10/2013, a partir das 18h30, estarei lançando meu primeiro livro. Você, leitor de Brasília, é meu convidado. Apareça! Será um prazer! Para mais detalhes, é só clicar aqui.

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1 comentários:

«O calendário humano estabelece em 23/9 o início da primavera.» - aqui começa a 21/3.
Sempre supus que o inverno em Brasília fosse como em Portugal - frio e muito húmido. Fico a saber que é seco, mas suponho que também frio.
Boa crónica: percebe-se o contraste de estações e de humores.

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